A turbulenta transição política na Argélia tem criado incertezas em torno a vários contratos de investimento estrangeiro no maior país produtor de gás natural da África.
Nas últimas semanas, a Exxon Mobil adiou a assinatura de um acordo preliminar com a estatal argelina Sonatrach, enquanto empresas como a britânica BP e a norueguesa Equinor expressaram receios de que a agitação política na Argélia possa afetar a produção de petróleo e gás.
A Argélia depende altamente da produção de petróleo e gás e precisa da injeção de dinheiro externo para reverter o declínio na produção resultante de condições contratuais pouco atraentes e da pesada burocracia no país. Apostando nos incentivos tributários e nas promessas de reforma do governo do presidente Abdelaziz Bouteflika, há vários anos no poder,
empresas como a Exxon Mobil, a Anadarko Petroleu e a italiana Eni vêm negociando acordos para explorar as reservas de gás de xisto da Argélia, as terceiras maiores fora dos Estados Unidos.
Depois de 20 anos de governo, no entanto, o presidente de 82 anos aceitou não concorrer mais à reeleição na próxima disputa presidencial argelina. O chefe de Estado também prorrogou a data da eleição indefinidamente, desencadeando acusações da oposição de que ele e seus apoiadores pretendem continuar no poder sem o aval das urnas. Manifestações na Argélia pressionam por algum novo líder que seja independente da influência de Bouteflika e pelo afrouxamento dos controles sobre os meios de comunicação, para assegurar eleições presidenciais livres e justas. O governo ainda precisa chegar a um entendimento com a oposição sobre a data das próximas eleições e não há consenso quanto ao possível sucessor.
Investimentos adiados
Em meio às incertezas, muitos investidores estrangeiros adiaram compromissos de novos investimentos. A Exxon Mobil esteve perto de assinar com a Sonatrach um contrato de exploração de xisto na Argélia, mas o acordo preliminar esperado há cerca de uma semana durante encontro em Houston com representantes da Sonatrach acabou não sendo concluído, segundo uma autoridade argelina do setor de petróleo e outra fonte a par das discussões.
Um porta-voz da Exxon Mobil não quis comentar o assunto, assim como um assessor de imprensa da Sonatrach.
A gigante petrolífera americana tem interesse no complexo do campo petrolífero de Tinrheart, no sudeste da Argélia, onde o governo pretende perfurar 128 poços, segundo a Sonatrach.
As negociações tiveram bons progressos, disse o executivo-chefe da Sonatrach, Abdelmoumen Ould Kaddour, à agência de notícias APS, na semana passada.
Outra empresa estrangeira de exploração e produção que deveria enviar representantes à Argélia no início de março para renegociar as condições de seus contratos cancelou a viagem, citando riscos de segurança em razão dos protestos, segundo uma firma de consultoria que trabalha com a empresa.
Diante das incertezas, a Sonatrach tem intensificado os esforços para concluir negócios. Na quarta-feira (13), um empreendimento conjunto que opera com a britânica Petroceltic International e a Enel ganhou um contrato de US$ 1 bilhão para desenvolver um projeto de gás natural no sudeste da Argélia. O acordo vinha sendo adiado há meses por diferenças quanto aos termos do contrato, de acordo com uma fonte.
Nas últimas semanas, a Sonatrach iniciou negociações com a Chevron para a exploração de campos de petróleo e gás na Argélia, segundo a empresa. A Chevron “continua interessada em buscar oportunidades que atendam [seus] critérios de investimento”, disse um porta-voz da empresa americana.
Grandes petrolíferas, como a BP e a Equinor, têm perguntado a consultores se há risco às suas instalações produtivas e buscado informações quanto a possíveis desistências ou atrasos nas reformas do presidente Bouteflika para atrair investimentos na área, de acordo com fontes.
Um porta-voz da BP não quis comentar o assunto, enquanto a Equinor informou também por meio de porta-voz que a empresa sempre analisa as situações políticas nos países em que opera.
Nos últimos dez anos, a capacidade de produção diária da Argélia caiu em 400 mil barris, depois de anos de má gestão, segundo gerentes da Sonatrach e empresas estrangeiras. Muitos investidores no setor petrolífero temem que a produção atual argelina, em torno a 1 milhão de barris por dia, possa diminuir ainda mais em meio às greves para tirar Bouteflika do
poder e seu impacto na Sonatrach.
Políticos de oposição e funcionários da indústria petrolífera, porém, descartam a hipótese, pois iria prejudicar a maior fonte de receita a Argélia. “O petróleo é a riqueza do povo”, disse Abdellah Medjkane, do sindicato da Sonatrach.
Situação da estatal
A incerteza política em torno ao presidente da Argélia também coloca em dúvida o executivo-chefe da petrolífera estatal. O presidente Bouteflika indicou Kaddour como CEO da Sonatrach em 2017, na esperança de reanimar a enfraquecida empresa. O executivo criou um programa de investimentos e reestruturação que prometia receita adicional de US$ 67 bilhões, graças a cortes de custos e aumento da produção ao longo de dez anos.
Kaddour é muito ligado à presidência de Bouteflika que provavelmente perderia o cargo, caso houvesse uma mudança de governo, segundo um funcionário da estatal e consultores que trabalham com petrolíferas no país. Isso complicaria a situação para investidores estrangeiros que tentam navegar pelos herméticos círculos de poder do país e desejam condições contratuais atraentes.
“A Sonatrach é o Estado e o Estado é a Sonatrach”, disse Denis Florin, da Lavoisier Conseil, uma firma de consultoria administrativa que assessora empresas francesas no Oriente Médio. “Estamos entrando em um período de incertezas nas redes de tomadas de decisões.”
“Administração carnívora”
A assertividade cada vez maior dos movimentos civis poderia impactar os projetos de xisto, que usam técnicas de fraturamento hidráulico para extrair petróleo e gás da terra. Os manifestantes dizem que esses projetos são prejudiciais ao ambiente. Também reclamam que as receitas do país com petróleo e gás são canalizadas de forma a recompensar mais os cidadãos ricos do que os pobres, de acordo com Sofiane Djilali, coordenador do movimento de protesto Mouwatana. “O sistema atual é opaco e alimenta uma administração carnívora.”
O setor petrolífero vai ser administrado de forma mais transparente se a oposição assumir o poder, diz Djilali.
Fonte: Valor Online
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