Depois de se tornar a maior empresa privada de geração de energia elétrica no Brasil, a francesa Engie quer trilhar o mesmo percurso em um novo mercado: o de gás natural. Passados pouco mais seis meses da compra da Transportadora Associada de Gás (TAG) da Petrobrás por quase R$ 34 bilhões – maior compra realizada em 2019 no País -, a empresa acompanha de perto a evolução da abertura do mercado de gás para definir os próximos passos de seus investimentos no Brasil. Entre os planos, estão a compra de mais ações da TAG, gasodutos de conexão e distribuição de gás canalizado.
“A visão que temos para o setor de gás é muito parecida com a que tínhamos do setor elétrico
nos anos 1990”, afirma o presidente da Engie Brasil, Mauricio Bähr, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Engenheiro pela Universidade Gama Filho e analista de sistemas pela PUC do Rio, Bähr está à frente da empresa há mais de duas décadas. No fim dos anos 1990, a então Tractebel comprou a Gerasul, subsidiária da Eletrobras, na onda de liberalização do mercado elétrico. Atualmente, a Engie, que faturou R$ 8,79 bilhões em 2018, é dona de mais de 6% do parque gerador nacional, por meio de usinas eólicas, solares, hidrelétricas e térmicas, e iniciou investimentos em linhas de transmissão.
Para o mercado de gás, a intenção é alcançar o mesmo protagonismo. “O gás natural é o combustível da transição energética, que vai permitir ao mundo usar mais energia renovável no futuro, como eólica e solar”, diz Bähr. Com a TAG, da qual tem 58,5% de participação, a Engie virou dona de 4,5 mil quilômetros de rede de gasodutos, que representam 48% da extensão da malha de dutos de transporte do País. A lista inclui os gasodutos no litoral nordestino e na Amazônia e a interligação entre as malhas do Sudeste e Nordeste, movimentando 43,2 milhões de metros cúbicos por dia, no acumulado de janeiro a setembro de 2019. O volume representou 50% da oferta de gás no País, no período.
No curto prazo, o próximo investimento da Engie no setor deve ser a compra das ações remanescentes da Petrobras na TAG. A estatal já disse que irá vender os 10% de participação acionária que ainda detém no ativo, e a francesa já manifestou intenção em exercer o direito de preferência. Considerando o valor pago pelos 90%, a fatia remanescente pode custar outros R$ 3,5 bilhões aos cofres da companhia e da CDPQ, fundo de pensão do Canadá, sócio na TAG. “Essa é uma boa proxy (para o valor). A Petrobras deve realizar um processo de concorrência, e estamos preparados para exercer o nosso direito de preferência”, afirma Bähr, que prevê a conclusão do negócio ao longo de 2020.
Choque de competitividade
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem prometido a abertura do mercado de gás natural para empresas privadas de forma a provocar um choque de competitividade na economia, reforçando o movimento iniciado com os desinvestimentos da Petrobrás no setor. Diante do potencial de crescimento do mercado consumidor, reprimido por anos de escassez na oferta de gás e a incipiente malha de gasodutos concentrada no litoral, o Brasil é apontado como local estratégico para novos investidores.
O diretor de operações da TAG, Emmanuel Delfosse, diz que a empresa tem interesse em investir em gasodutos de conexão entre a malha existente da TAG e os novos locais de oferta de gás. “Muitos competidores no lado da oferta estão nos procurando para viabilizar essas conexões. No caso dos terminais de gás natural liquefeito (GNL), isso é mais simples porque as instalações já estão no litoral”, diz. No último Plano Indicativo de Gasodutos (PIG), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou estudos de três gasodutos de conexão entre a malha da TAG e terminais de GNL em construção, os quais demandariam R$ 919,3 milhões em novos investimentos.
A perspectiva de integração entre os mercados de eletricidade e gás, por meio de térmicas e venda do insumo para grandes consumidores, também atrai interesse. A Engie vê na abertura do setor a oportunidade de oferecer novos serviços e soluções para a sua carteira de clientes industriais e comerciais, que incluem empresas de siderurgia, papel e celulose, têxtil, cerâmica, bebidas, químico e petroquímico, entre outros.
“Essa é a base da nossa crença, ou seja, que o mercado de gás vai evoluir como o setor elétrico”, afirma Bähr.
Atualmente, alguns estados já possuem a figura do consumidor livre de gás.
Outro segmento que também desperta o interesse da Engie é o de distribuição de gás canalizado, que deve passar por uma onda de venda de ativos nos próximos meses. De concreto, estão as privatizações das distribuidoras Sulgás (RS), Compagas (PR) e Gasmig (MG), mas as concessionárias do Nordeste também podem entrar no horizonte. “Temos de ver o que pode ser permitido pela legislação setorial, uma vez que já assumimos uma posição como transportadora. Porém, algumas distribuidoras podem fazer sentido”, diz Bähr.
Para a Engie, a maior competitividade e o maior número de concorrentes facilitará o desenvolvimento da infraestrutura de transporte e a liquidez do mercado. “Quanto mais agentes estiverem conectados, melhor será para o País, porque reduz o custo unitário para as empresas”, diz Bähr. Na França, a empresa opera 32,4 mil km de gasodutos e 200 mil km de rede de distribuição, além de possuir quatro terminais de gás natural liquefeito (GNL) e 14 instalações de armazenamento de gás.
Estocagem de gás
A Engie também avalia a possibilidade de investimentos na estocagem de gás, a exemplo do que já faz na Europa. “A estocagem é uma necessidade de infraestrutura complementar aos gasodutos. Pelas características do mercado brasileiro, há necessidade de flexibilidade na oferta do insumo, e o gás associado do pré-sal, por exemplo, não tem isso”, diz Delfosse. A ideia de investir na estocagem de gás em poços deplecionados ou aquíferos.
Acompanhe: Rio se alinha a novo programa e quer isentar de ICMS a venda de gás para térmicas Para o diretor-executivo da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, os planos da Engie para setor de gás brasileiro refletem uma mudança no ambiente de negócios do mercado. Segundo ele, a decisão da Petrobras de reduzir o seu peso na indústria e o acordo firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no ano passado para acelerar esse movimento trouxeram segurança jurídica para os investidores. “Esse cenário gerou a confiança para as empresas de que os desinvestimentos vão, de fato, ocorrer e há um prazo para ser concluído”, afirma Moreira Neto.
Ao eliminar o monopólio dessa área da Petrobras, até então presente em todas as etapas da cadeia de gás, os investidores privados terão condições de explorar as oportunidades de forma mais eficiente. “O mercado brasileiro de gás tem um potencial muito grande de crescimento, e, com o aumento da produção do insumo, serão necessários investimentos em infraestrutura”, diz o especialista.
Fonte: Estadão.com / blog do Broadcast
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