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Abertura de mercado pode impulsionar cogeração a gás natural e biogás

O gás natural e o biogás têm tudo para ser dois grandes impulsionadores em um projeto de recuperação e retomada do País após a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), que, como temos visto vem provocando consequências graves para a economia brasileira ao interromper e desacelerar boa parte das atividades produtivas, com reflexos imediatos no consumo de energia.

As duas fontes energéticas têm amplo potencial de geração de renda e empregos de uma forma sustentável ao longo dos próximos anos. E essa perspectiva não deve ficar em segundo plano em qualquer plano de recuperação e retomada.

No setor de gás natural, a partir de 2019, houve uma completa mudança de panorama na medida em que o governo definiu como primordial o equacionamento do custo de gás, visando dotar o País de condições de preço mais próximas da realidade praticada no mercado internacional.

Ao criar o chamado Novo Mercado de Gás, os ministérios da Economia e de Minas e Energia fizeram um diagnóstico absolutamente correto: para elevar as condições de competitividade nacional seria fundamental criar diretrizes capazes de incentivar a redução do preço do gás para a indústria, que tem nesse insumo um dos seus principais componentes na formação de custos do processo produtivo. Lamentavelmente, ainda se observa preços de 12 ou mais dólares por milhão de BTU quando o mercado internacional gira de 3 a 7 dólares por milhão de BTU, o que ocasiona desvantagens competitivas para os produtos brasileiros no cenário interno e externo.

E não há nada melhor para produzir ganhos de competitividade do que gerar mais concorrência na oferta, quebrando o monopólio de fato do único supridor, e criando um arcabouço regulatório que permita a efetiva abertura de mercado. Em julho de 2019, esse caminho foi viabilizado com a assinatura do Termo de Cessação de Conduta (TCC) entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras, estabelecendo princípios que irão viabilizar a desconcentração do mercado, ao permitir que ativos da companhia possam ser acessados por outros players na infraestrutura existente — os terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL), as unidades de processamento e as rotas de escoamento.

É compreensível que as atenções estejam tomadas pelo enfrentamento das consequências sanitárias e econômicas ocasionadas pela pandemia. Elas são prementes. Mas não se pode perder de vista a necessidade de tomar, agora, as decisões que levam certo tempo para que apareçam os resultados práticos.

Além de uma agenda de privatizações de ativos existentes, o mercado necessita de mais ofertantes. E novos projetos de infraestrutura em downstream e midstream demandam amadurecimento — é assim que os grandes investidores tomam suas decisões, com cenário de longo prazo bem delineado e segurança jurídica. Em paralelo, é preciso dotar o grande usuário, o grande consumidor, da possibilidade de comprar gás (assim como já ocorre no setor elétrico), promovendo o mercado livre de gás, para que ele acesse o gás em bases mais competitivas, pagando pelo pedágio de fazer uso da infraestrutura das distribuidoras ou mesmo das transportadoras. Seria interessante introduzir no setor de gás um conceito similar ao do setor elétrico, em que se paga TUST e TUSD. Todo esse processo, evidentemente, precisa ser pactuado com as partes envolvidas, de modo a respeitar os contratos de concessão.

Com novos agentes ofertando gás, especialmente desenvolvendo os ativos disponíveis em campos do Pré-Sal, será possível encontrar maneiras para que esse insumo possa desaguar no mercado brasileiro nas mais diversas aplicações. Tanto em projetos grandiosos, com grandes âncoras termelétricas a gás natural, como em aplicações como a cogeração.

Sempre é oportuno destacar que a cogeração é uma das formas mais eficientes de se produzir energia, porque com uma só fonte possibilita produzir energia elétrica e energia térmica — e o processo a gás natural, em particular, tem atributos como alta eficiência, confiabilidade e resiliência, o que é muito útil para processos industriais que demandem calor e frio, além da eletricidade.

Também não podemos deixar de reforçar o mais importante: a cogeração se dá próxima do ponto de consumo, que é a base do conceito da Geração Distribuída — uma das políticas energéticas mais inteligentes em todo o mundo justamente por evitar perdas de energia e investimentos desnecessários em longas linhas de transmissão.

A cogeração a gás natural, entretanto, vem andando de lado — principalmente em função dos altos preços do insumo no País (especialmente no início de 2019, quando os reajustes tarifários chegaram perto de 40%).  Hoje são 88 projetos instalados, perfazendo 3,1 GW de capacidade — número estagnado desde 2018. Vale observar que nos últimos dez anos, entre 2010 e 2020, a evolução foi de apenas 15%, saindo de 2,7 GW (2010) para 3,1 GW (2020) — e a maioria dos projetos está concentrada no Rio de Janeiro (1,1 GW), seguido por São Paulo (0,6 GW), Bahia (0,5 GW), Rio Grande do Norte (0,3 GW), Ceará e Minas Gerais (ambas com 0,2 GW), Rio Grande do Sul (0,1 GW) e Paraná (0,1 GW), cabendo a outras unidades da federação tão-somente 0,1 GW.

Além dos elevados custos do insumo, é preciso que o País mantenha políticas corretas e avance em novas medidas regulatórias.

É essencial manter o reconhecimento da cogeração qualificada, que permite aumentar a competitividade do investimento em função de uma tarifa diferenciada, que pode ser obtida com a homologação do projeto na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), atestando a elevada eficiência energética do projeto.

É de vital importância, também, que a Aneel possibilite que novos projetos com até 5 MW de potência tenham maior viabilidade, com rentabilidade para investidores e redução de custos para as indústrias consumidoras de calor e energia elétrica. É importante que eles possam manter o uso do sistema de Net Metering e tenham a possibilidade de comercializar os excedentes de energia elétrica que não venham a consumir. Foi o que defendemos na Audiência Pública 01/2019, aberta pela agência reguladora para discutir possíveis melhorias na Resolução 482.

Na nossa estimativa, o potencial de evolução da cogeração a gás natural ao longo dos próximos dez anos é de 7,2 GW, o que equivale à capacidade instalada de meia Itaipu Binacional. O número de empreendimentos pode sair de dois para quatro dígitos.

E o maior potencial de crescimento de projetos de cogeração está em grandes centros urbanos, próximos à rede de distribuição das concessionárias. São indústrias e estabelecimentos em que há elevado consumo de água quente e/ou ar condicionado, como hospitais, datacenters, aeroportos, shoppings, hospitais e prédios corporativos.  Na medida que esses clientes tenham acesso a um gás com custo competitivo, que viabilize esses investimentos que demandam um certo tempo para amortização, os projetos certamente sairão do papel, inspirados por bons cases de cogeração qualificada já em operação — de indústrias automobilísticas a fábricas de vestuário, passando por edifícios comerciais e até centros comerciais.

Não podemos deixar de ressaltar que uma das principais vantagens do Brasil é a sua diversidade de fontes energéticas. Um bom planejamento, portanto, deve considerar as vocações de cada região. Assim como a energia eólica é uma das aptidões do Nordeste, o gás natural é uma das principais vocações do Sudeste, onde se concentra, aliás, praticamente 50% da demanda de energia elétrica do País.

Para abastecer a região não é possível, entretanto, deixar de lado o imenso potencial do biogás.

Uma das principais possibilidades de crescimento desse segmento está no setor sucroalcooleiro. Sabe-se que cada litro de etanol produz cerca de 12 litros de vinhaça como resíduo após a destilação do caldo de cana-de-açúcar. A vinhaça já́ é usada de uma maneira geral para a fertirrigação em canaviais, pois tem elevado teor de potássio. Mas essa vinhaça, juntamente com outros resíduos da indústria sucroenergética como palha, torta de filtro e outras matérias orgânicas poderá ser usada para a produção de biometano. Já há tecnologia disponível no Brasil para gerar biogás com uma composição adequada para a geração de energia (pelo seu potencial combustível), além de seu potencial de substituição de diesel nas usinas de açúcar e etanol, após a limpeza e a produção do biometano.

A Raízen, um dos maiores players do setor de açúcar e etanol e de bioeletricidade, por exemplo, investiu na construção de uma unidade de biogás na Usina Bonfim, em Guariba (SP), para converter a vinhaça e outros resíduos em biogás, otimizando a operação onde já ocorre um grande volume de moagem de cana. A indústria sucroalcooleira está atenta a esse movimento e é legítimo supor que, com a colocação em marcha do empreendimento, surjam novos projetos num futuro próximo. E vale lembrar que o RenovaBio deverá, até 2030, impulsionar a produção não só de etanol, mas também o potencial de produção de biogás.

Conforme mencionado anteriormente, além do uso em geração de energia, um dos principais usos para o biometano, num prazo relativamente curto, é suprir uma significativa frota de veículos (caminhões, plantadeiras e colheitadeiras) que hoje consomem diesel na proporção de aproximadamente 4 litros por tonelada de cana colhida. Isso representaria um enorme ganho para as usinas — logístico e de receitas. É lícito imaginar que, no futuro, as usinas de açúcar e etanol possam até mesmo injetar o biometano nos dutos de gás canalizado, na medida que o Novo Mercado de Gás incentive a expansão da rede de distribuição até as usinas que estejam num raio de 5 a 20 quilômetros da rede já existente.

Para que tudo isso aconteça é preciso que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) repense seu modelo de planejamento. O PDE decenal é apenas indicativo e na nossa visão seria desejável que ele seja mais determinístico, incentivando planos que valorizem os atributos de cada fonte e o fator locacional nos leilões de energia. É fundamental que o governo e todos os agentes conduzam já, ainda este ano, a agenda que o País deva adotar ao longo dos próximos anos.

Somente assim será possível emitir um sinal correto que favoreça a cogeração — inclusive a gás natural e biogás.

 

Fonte: Canal Energia

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