Em editorial, a revista Autobus defende investimento em gás natural e biometano em frotas de ônibus urbanos.
Este editorial é o primeiro com o propósito de comentar um pouco sobre as tecnologias presentes em modelos distintos de propulsão dos ônibus urbanos, entendendo que há espaço para todas (as mais modernas) que tenham a finalidade de mitigar os efeitos negativos causados por modelos (des)atualizados de motores a diesel presentes em nosso cotidiano.
Gás natural é um agente fóssil. O biometano é um propulsor para que os dejetos se tornem algo útil, deixando de ser um passivo ambiental. Unidos, esses combustíveis servem em comum à prática da sustentabilidade ambiental no setor de transportes. E o Brasil possui os dois, em expressiva quantidade. De acordo com a ABEGÁS (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado), por aqui rodam mais de 1.600.000 veículos abastecidos com o gás natural (GNV), formado, em sua imensa maioria por automóveis particulares. Temos extensos campos de exploração capazes de garantir um abastecimento para toda a frota de ônibus urbano que roda no País.
Quanto ao biometano, o potencial brasileiro desse combustível renovável é enorme. Segundo informações da ABiogás (Associação Brasileira de Biogás), ele pode ser obtido de diversas fontes, da vinhaça da produção de açúcar e etanol à transformação de dejetos animais e do lodo gerado pelas estações de tratamento de esgoto, e ainda dos aterros sanitários. Seu contexto ambiental é uma grande oportunidade de reutilização dos resíduos que são descartados e geram poluição. Em números, a produção de biometano pode alcançar um volume capaz de substituir 70% do diesel utilizado atualmente no Brasil no abastecimento de ônibus e caminhões.
A fonte primária do biometano é o biogás, sendo o Brasil o principal país do mundo em termos energéticos, com a capacidade de produção de 84,6 bilhões Nm³/ano, divididos entre saneamento (7%), resíduos sucroenergético (48%) e resíduos agroindustriais (45%).
Atualmente, no âmbito das cidades brasileiras, muito se fala em eletromobilidade como a melhor forma de proporcionar uma significativa diminuição das emissões poluentes. Não há dúvidas que esse conceito dominará o cenário urbano dentro de mais alguns anos, quando então o motor de combustão interna será aposentado (será?). Mas, neste momento, o que mais precisamos é promover a transição da tração convencional para o modelo limpo, levando em consideração aspectos econômicos, extensas fontes energéticas e a capacidade tecnológica. Biocombustíveis, como o biometano, são considerados uma solução na busca pelo transporte limpo, pois tem a capacidade para reduzir até 90% das emissões poluentes.
Na Europa, um mercado altamente competitivo e que tem investido cada vez mais em ônibus elétricos para as suas cidades, o biometano e o gás natural não perderam seus espaços nos sistemas de transporte. Pelo contrário, convivem e conviverão harmoniosamente por mais alguns bons anos. Não é muito lembrar que o gás tem o seu uso comercial estimulado por políticas públicas instituídas por governos locais preocupados com o desenvolvimento ambiental por meio de subsídios à programas de renovação de frotas.
Para se ter uma ideia, 17% de todo o gás consumido nos sistemas de transporte da Europa é composto de biometano. Hoje, mais de 4.100 estações de abastecimento de gás natural estão presentes naquele continente, que incluem a mistura com o biocombustível. Atualmente, o mercado americano é o principal mercado mundial para o ônibus com essa tecnologia, tendo cerca de 53.000 unidades, segundo informa a ABEGÁS por intermédio da fonte Clean Fuels Consulting. Já no mercado europeu, são 16.000 unidades, dados de 2019, conforme relata o IGU – International Gas Union.
A associação que congrega as empresas distribuidoras de gás ressalta que o biometano é gás e acredita na solução. Segundo ela, hoje o estado do Ceará tem 20% da sua oferta de gás proveniente do biometano, sendo um caminho que outros países estão trilhando em função do volume do biocombustível gerado não ser suficiente para o suprimento do mercado. O fornecimento em larga escala poderá reduzir custos de tratamento do renovável.
O gás natural nunca teve uma política governamental consistente no Brasil. O biometano, apesar de ser uma referência mais antiga, neste momento também não conta com apoio do governo para o seu uso em larga escala no transporte. Há no País uma montadora que acredita no potencial de ambos combustíveis para serem utilizados nos segmentos de passageiros e carga. Ela já vendeu seus primeiros caminhões, fato que poderá incentivar outras concorrentes a introduzirem no mercado esse conceito, com condições adequadas para que os transportadores possam investir na sustentabilidade ambiental.
Vivemos uma falta de incentivo ao mercado. Mas isso pode mudar, segundo informa a ABEGÁS. Recentemente, o BNDES publicou um relatório, muito bem elaborado, sobre o mercado de gás, considerando o GNV como uma oportunidade no desenvolvimento da demanda. Por isso, é preciso instituir o detalhamento das políticas públicas necessárias para um desenvolvimento rápido da aplicação e a criação de corredores logísticos. De acordo com a entidade, estudos internacionais e nacionais mostram as vantagens claras e palpáveis do uso de GNV para o meio ambiente e para saúde pública, principalmente em grandes metrópoles. É necessária a conscientização das autoridades, entidades de classe e dos empresários em relação aos benefícios gerados pelo combustível. Também surgem no cenário do transporte alguns empresários mais comprometidos com metas corporativas de redução de emissões no setor, vislumbrando no gás a possibilidade de atendimento das mesmas, muito em virtude da redução conferida de CO2 (-25%), materiais particulados (-85%) e óxido de nitrogênio (-95%) em comparação ao uso do diesel.
Quanto ao ônibus urbano, falta a iniciativa operacional para que o gás tenha seu caminho comercial. O setor convive com a carência de recursos financeiros e projetos em seu cotidiano. Somente os valores das passagens não irão animar o transportador a trocar a matriz energética de sua frota. É preciso mais. Segurança no fornecimento do combustível com preços atrativos é o mínimo nessa situação. E, o gestor público deveria promover no âmbito municipal o seu compromisso para a redução das emissões poluentes, a começar pela instituição de programas de avaliações técnicas e de incentivos, por meio de fundos financeiros, para que haja o uso de outras formas limpas de tração.
Mais do que pensar em apenas uma solução para ser adotada no âmbito de combustíveis e tipos de tração no transporte urbano, é interessante observar que as várias opções podem trabalhar juntas, com racionalização em determinados nichos. Se a eletromobilidade pode ser ideal em áreas centrais das grandes cidades, a dobradinha gás natural/biometano pode cumprir com o seu papel de sustentabilidade em sistemas com alta demanda de passageiros, que ligam os subúrbios aos centros.
Recentemente, Bogotá, capital colombiana, começou a receber 1.084 ônibus em seu sistema SITP (transporte zonal), todos fornecidos pela Scania com a sua tecnologia do gás, encarroçados pela Marcopolo e Busscar, ambas fabricantes instaladas na Colômbia. Outro grande sistema, o TransMilenio, que também faz parte do SITP, tem em sua frota ônibus articulados e biarticulados movidos a gás natural.
O condado norte-americano de Miami Dade é outra localidade urbana que encomendou recentemente novos ônibus a gás natural. São 140 unidades, que se juntarão às outras 300 adquiridas há dois anos pela Miami-Dade Transit.
Deveríamos seguir o exemplo de muitos centros urbanos mundiais que estão investindo em frotas de ônibus limpos, com as opções 100% livres de emissões locais ou movidos pelos referidos combustíveis citados neste editorial, além de otimizar as operações e serviços, alcançada por meio da priorização ao modal.
Fonte: Revista Autobus / editorial
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