A bomba está armada!”, disparou Zeni Kann para definir o status atual do projeto de lei (PL 6407/13) que se propõe a criar as bases para uma nova legislação para a exploração, transporte, comercialização e distribuição do gás natural no Brasil. A exclamação do dono da Zenergas, consultoria especializada nas áreas de regulação de serviços de energia elétrica e gás canalizado, foi dita no final da tarde quarta-feira, 18 de novembro, em seminário promovido pelo escritório Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados para discutir da distribuição do gás canalizado e o projeto de lei do Gás.
A Zenergas é uma consultoria de grande prestígio. Criada em 2012, depois que Kann deixou a diretoria de Regulação Técnica e Tarifária da Gás Canalizado na Arsesp, órgão onde fez carreira de 2004 a 2011, embora tenha sido o Comissário Geral (o chefe) na agora Arsesp, ainda quando esta se chamava Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), criada em 1998. Resumindo, o homem entende bem as regras do jogo.
A proposta legislativa encontra-se praticamente parada no Senado Federal desde o início de setembro de 2020, aguardando o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) definir o relator do agora PLS 4476/2020, com grandes chances de ser o Senador Eduardo Braga (ex-ministro de Minas e Energia no segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff).
O que se espera com a lei do gás é uma aceleração dos investimentos privados nesse mercado, o que aumentaria a disponibilidade da molécula que é mais limpa que outros energéticos, e que poderá ser mais barata com o aumento da concorrência e do número de agentes na cadeia do gás.
É fato que o agora PLS 4476/2020 têm seus méritos e pontos a corrigir. O dilema é o seguinte: se aprovado conforme enviado pela Câmara dos Deputados o risco de judicialização é enorme; se for modificado para minimizar ao máximo as incertezas jurídicas e regulatórias, naturalmente o processo precisa “voltar uma casa” e ser discutido novamente pelos deputados.
A revisão do texto deveria ser a decisão mais prudente, mas isso significa mais embates políticos em cima de uma retórica “pouco realista”, segundo Kann, para definir as promessas do Governo de acabar com o monopólio da Petrobras no setor, atrair US$ 31 bilhões de investimento por ano, aumentar em R$ 50 bilhões anuais a arrecadação de impostos e ainda criar 4 milhões de novos empregos.
“Em tese, sou favorável a esse projeto, mas ele não é nenhuma panaceia e têm outros problemas na área de distribuição”, disse Kann.
Para o diretor da Zenergas, para além de clarificar os critérios que vão definir o que é gasoduto de distribuição e gasoduto de transporte, também é preciso deixar claras as fronteiras de atuação da ANP e das agências estaduais nesse novo marco regulatório de gás natural. Projeto do Gás pode gerar judicialização dependendo do formato aprovado.
Em outras palavras, uma clássica disputa de conflitos de competência. Afinal, quem detém a caneta dita as regras do jogo.
É importante frisar que o Brasil tem muito potencial para monetizar o gás natural que está associado a exploração dos campos do Pré-Sal. Entretanto, esse gás só deixará de ser reinjetado pelas petrolíferas quando ficar claro para os investidores que haverá infraestrutura de transporte e consumidores para o gás natural brasileiro.
Para Kann, e outros especialistas em energia, a solução para sinalizar a tão sonhada demanda vem justamente da indústria que mais consome gás no Brasil: a geração termelétrica.
Não é de hoje que os produtores de gás no país tem como principal cliente as termoelétricas para produção de eletricidade. Dados consolidados de 2019, copilados e disponibilizados no início deste mês pela Abegás relevam que o setor termelétrico consumiu uma média de 23,89 milhões de metros cúbicos de gás por dia entre janeiro e dezembro do ano passado, enquanto a indústria ficou com a primeira posição ao consumidor uma média de 27,97 milhões m³/dia.
O diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, explicou em entrevista à Agência CanalEnergia que a relação entre o mercado de gás e as térmicas começou a ser mais próxima depois do racionamento de energia de 2001. Para socorrer o país que precisava de oferta urgente de eletricidade às vésperas de uma eleição presidencial, o preço do gás para os consumidores foram majorados, privilegiando o uso do gás às térmicas, a maioria construída “na boca do poço”, ou seja, sem necessidade de investir em gasoduto.
Mas como justificar a contratação de usinas termelétricas a gás natural com a demanda por eletricidade comprometida pelas crises econômica e fiscal do Brasil que se arrastam desde 2015? Há sobras de energia no setor elétrico pelos próximos 4 ou cinco anos e o MME cancelou todos os leilões deste ano, neste caso, muito em função da pandemia que colocou ainda mais incertezas sobre o futuro da economia brasileira e, por consequência, da demanda elétrica.
Para o advogado Urias Martiniano Garcia Neto, sócio desde 2018 do escritório para Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados (TOMASA), a proposta de regulação é confusa e isso naturalmente cria insegurança jurídica. “O mercado de gás precisa olhar para os erros do mercado de eletricidade. Insegurança jurídica no mercado de energia sempre representou judicialização”, afirmou.
Garcia Neto explicou que a insegurança em um mercado ainda em desenvolvimento como se pretende para o setor de gás natural afugentará os esperados investidores privados/estrangeiros.
O advogado contou que cada player tem o seus interesses (legítimos ou não) nesse tema e o governo precisa equilibrar essa disputa de forças. “A regulação está partindo do interesse do Estado e não da sociedade. Quando a gente coloca uma situação sem se preocupar com a sociedade e com o mercado em si, a gente está deixando de ser neoliberal e deixando de desenvolver um setor”.
Fonte: Canal Energia
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