A Petrobras vai aumentar em 39% o preço do gás natural para as distribuidoras, a partir de 1º de maio. A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) estima que o impacto médio, para a indústria, será de 31% – o suficiente para elevar as tarifas para a classe industrial, em reais, ao patamar mais alto desde que o governo lançou o programa Novo Mercado de Gás, em 2019, com medidas para abrir o setor e promessas de um choque de energia barata.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer, na ocasião, um gás entre 30% e 40% mais barato, na medida em que novos competidores entrassem no jogo. A abertura do setor, porém, ainda engatinha e o preço no Brasil segue, por ora, essencialmente atrelado às dinâmicas do petróleo e do câmbio – itens aos quais os contratos da Petrobras estão indexados.
Embora o consumidor tenha se beneficiado de um gás mais em conta em 2020, essa redução foi conjuntural, fruto dos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a cotação do barril de óleo.
O novo aumento do preço do gás da Petrobras reflete não só o encarecimento da molécula, em resposta à valorização do petróleo, mas também o reajuste anual das tarifas de transporte – atreladas ao IGP-M. Os preços praticados pela estatal representam 59% da tarifa final, na média, segundo a Abegás. As margens das concessionárias respondem por 17% e impostos pelo demais 24%.
Para o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz, o impacto do gás na inflação do varejo será discreto, já que uma pequena parcela da população é atendida pelo combustível. O reajuste, porém, pode ter efeitos indiretos sobre os preços das indústrias. “Assim como a energia elétrica, [o gás] pesa no custo de produção. Isso pode indiretamente causar um aumento de preços. Mas os custos são dinâmicos e, como o energético não é o único custo de produção, às vezes uma componente do custo compensa o aumento do preço do gás. Então há possibilidade até de não haver repasses de preços”, ressalvou.
O novo reajuste da Petrobras é o terceiro aumento seguido dos preços da estatal para as distribuidoras. A empresa ajusta o gás trimestralmente.
Segundo a Abegás, a petroleira chegou a reduzir o combustível em 10% em maio e em 23% em agosto do ano passado, devido aos impactos do choque do petróleo. Em seguida, contudo, a estatal corroeu toda essa redução ao engatilhar uma sequência de aumentos de 33% em novembro de 2020; de 2,5% em fevereiro deste ano e de 39% em maio. Desde o início do ano
passado, a alta acumulada é de 37%, incluído o mais novo ajuste.
O gerente de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon, explica que, pelos contratos de concessão, em geral, as variações nos preços da Petrobras são automaticamente repassadas para as tarifas finais, embora alguns Estados trabalhem com contas gráficas que diluem as volatilidades no tempo. “Mas ao fim do dia, o reajuste é repassado. Com uma alta dessa magnitude, acho difícil as distribuidoras segurarem, isso impactaria o caixa.”
O diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, reforça que um reajuste desse tamanho é impossível de ser retido. “Afetaria o equilíbrio econômico-financeiro da concessão”, disse.
Para Mendonça, o aumento da competitividade do gás no Brasil, de forma estrutural, depende do avanço da abertura do setor. Concorrentes da Petrobras ainda enfrentam dificuldades para acessar a infraestrutura existente para garantir acesso ao mercado. “Precisamos tirar as barreiras de entrada. Sem chamadas públicas para contratação de capacidade dos gasodutos, a abertura não vai acontecer. Não existe Novo Mercado de Gás sem gás novo”, comentou. Segundo ele, o aumento do preço da Petrobras pode elevar a atratividade de novos entrantes. “Por outro lado, o novo patamar de preços [da estatal] pode colocar outro piso no mercado”, ressalva.
O presidente da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), Anabal Santos Júnior, cita a demora na abertura da unidade de processamento de Guamaré (RN), essencial para que os pequenos produtores acessem o mercado. “Com essas limitações e as dificuldades em consolidar contratos, acaba não sendo um bom negócio para o produtor independente produzir o gás”.
A expectativa, segundo Lorenzon, é que, com a chegada de novos fornecedores, novas fórmulas de precificação surjam em alternativa ao único modelo contratual existente hoje: o da Petrobras, indexado ao petróleo. “Mais para o futuro, podemos ser capazes de ter um indexador próprio para o mercado brasileiro”, afirmou. Para ele, o reajuste de 39% da Petrobras “obviamente não é bom” para o consumidor. “Mas para a entrada de novos agentes, que já era viável antes, ficou mais fácil competir com a Petrobras”, ressalvou.
Para o ex-diretor-geral da ANP e atual presidente da Enauta, Décio Oddone, novos arranjos contratuais podem trazer fórmulas que suavizem picos de altas, como o atual. “O ideal seria termos variedades de atores e de contratos com diferentes referências, prazos de reajustes… Mas não há milagre que isole preço brasileiro do mercado internacional”, pontuou.
Fonte: Valor Econômico
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