A exigência de contratação de 6 GW termelétricos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, incluída na MP 1031, da privatização da Eletrobras, preocupa os produtores de gás natural.
Para eles, a medida aprovada na Câmara dos Deputados pode prejudicar o desenvolvimento de novos projetos de aproveitamento do gás nacional.
“O foco sempre foi encontrar medidas com base em soluções de mercado e fundamentadas na livre concorrência, e muitas inovações já foram incorporadas. Por isso, não esperávamos que viesse de uma MP, cujo objetivo é a privatização da Eletrobras, uma obrigação locacional longe tanto da produção de gás como do consumo de energia”, avaliou Claudia Brun, vice-presidente da Equinor.
“Com térmicas em endereço marcado, estamos tentando integrar ou desintegrar os setores de gás e energia?”, questionou.
O tema foi debatido nesta quarta (26), na gas week 2021.
A interiorização da geração incluída na MP da Eletrobras foi um balde de água fria entre os produtores, que já fazem contas para tentar garantir a competitividade do gás nacional.
“Os leilões de energia têm de ser baseados em competitividade e conceitos técnicos e as características desses 6 GW da MP da Eletrobras não estão muito alinhadas com isso”, afirma Andrés Sannazarro, gerente de Comercialização de Gás Natural da Repsol Sinopec Brasil (RSB).
“O que vem acontecendo nos últimos leilões? Quantos permitiram o desenvolvimento de novos projetos de gás no pré-sal? O resultado é zero. Há dificuldade para o gás doméstico ser competitivo num leilão”, diz Sannazarro.
“Esses 6 GW vão deslocar projetos mais eficientes e promover uma canibalização do setor”, reiterou Claudia.
Equinor e RSB são parceiras no desenvolvimento do projeto de gás natural de Pão de Açúcar, no bloco BM-C-33, na Bacia de Campos, juntamente com a Petrobras, que deve entrar em operação entre 2026 e 2027.
Para aumentar sua competitividade, as empresas desenvolveram um inédito projeto de implantar no próprio FPSO uma planta de tratamento do energético, que já chegará à costa pronto para ser distribuído.
“Chance mínima” para térmicas sem infra nos leilões
Operadora de projetos no pré-sal e sócia na térmica Marlim Azul, em Macaé (RJ), a Shell compartilha da preocupação sobre a questão locacional.
Na avaliação de Guilherme Perdigão, diretor de Novas Energias da companhia, da forma como está, a MP cria uma reserva de mercado, prejudicando a competição de projetos no Sudeste e, por consequência, o aproveitamento do gás do pré-sal.
“A questão regional impede um projeto do Sudeste de competir. O sistema elétrico brasileiro é integrado. Um projeto em Macaé (Norte Fluminense) atende milhares de clientes em todo o Brasil [com a transmissão de energia]. A beleza do sistema elétrico brasileiro é ele ser integrado”, disse Perdigão.
“Teremos quatro leilões de energia este ano (A-4 e A-5), dois em junho e dois em setembro, mas a chance de um projeto ganhar implantando nova infraestrutura é mínima, pelo menos para junho”, diz.
Custo x oportunidade
“Precisamos entender um pouco melhor se a exigência é risco ou oportunidade. Falta incluir na conta o custo do escoamento, seja do gás natural, seja da energia elétrica”, avalia Marcelo Lopes, diretor Executivo de Marketing, Comercialização e Novos Negócios da Eneva.
Para a Eneva, o desenvolvimento de projetos greenfield integrados de gás e energia não é novidade.
Tanto no Maranhão, onde opera o complexo Parnaíba em conjunto com os campos de gás do Parque dos Gaviões, como no Amazonas, a companhia negociou a energia de termelétricas em leilões regulados a partir de uma produção nova de gás.
Na Bacia do Parnaíba, partiu da exploração de concessões adquiridas em rodadas da ANP e no Amazonas, da compra de um campo da Petrobras que não havia sido desenvolvido.
Em ambos os casos, são regiões sem produção prévia de gás natural e onde não foi preciso construir gasodutos de transporte.
“Historicamente, expandir a transmissão é mais barato do que expandir a rede de gasodutos. E, ao que parece, a proposta da MP estabelece um limite de preços que pode inviabilizar a interiorização para determinados locais”, diz.
MP aprovada com mais de 300 votos
A MP 1031 está em tramitação no Senado Federal, após ser aprovada com 313 votos favoráveis de deputados federais.
Além de autorizar o governo a capitalizar a Eletrobras, prevê a contratação de usinas termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com critérios locacionais para garantir a distribuição de investimentos pelo país.
Tais medidas eram combatidas por áreas técnicas do governo federal.
Agora, contudo, os ministérios da Economia e de Minas e Energia (MME) entendem que as medidas são adequadas ou, ao menos, têm impactos negativos limitados.
A contratação das térmicas vinha sendo negociada desde a aprovação da Lei do Gás. O plano do MME nunca foi, contudo, incluir numa lei a obrigação de contratação de 6 GW nos chamados leilões locacionais.
Há diversas medidas no texto que prometem conter os efeitos desses estímulos nos preços das tarifas, como o repasse de parte dos recursos da descotização das usinas e o superávit de Itaipu Binacional para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para modicidade tarifária do mercado cativo.
Abegás apoia
Ao demarcar 2026 como ano-base para a contratação de capacidade de geração a gás natural, o texto da MP 1031 cria um caminho de segurança jurídica para os investimentos dos projetos, avalia a Abegás.
Para a associação, o período de cinco anos é o ideal para estruturação dos empreendimentos.
“O período de cinco anos é o ideal para que os projetos do setor tenham o devido tempo de maturação, com um cenário de 15 anos que preserve a viabilidade econômica do investimento”, disse em nota.
Além disso, a associação afirma que a aprovação da capitalização da Eletrobras permitirá um aumento da oferta de gás natural – principalmente do pré-sal – e representa um passo em direção à integração do setor de gás com o setor elétrico.
Fonte: Epbr
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