Em artigo publicado no portal Poder 360, o presidente da Abegás, Augusto Salomon, afirma que
Quando a chamada Nova Lei do Gás foi aprovada no Congresso Nacional, em março passado, boa parte do mercado saudou a novidade como um divisor de águas.
Em suas entrevistas, os porta-vozes de algumas entidades que defendiam aquele texto, vejam só, afirmavam que o marco legal iria gerar 4 milhões de empregos e R$ 60 bilhões de investimentos ao ano. Mais: alardeavam que a nova lei iria estimular a competitividade e baixar os preços.
No entanto, um ano depois da sanção do marco regulatório (Lei nº 14.134, de 2021, de 8 de abril), não há qualquer sinal de aporte de capital relevante nos elos de upstream e midstream que beneficie expressivamente a geração de emprego e o desenvolvimento de novas infraestruturas de escoamento da produção, unidades de processamento e transporte.
Nesse primeiro ano pós-sanção, o marco regulatório não foi suficiente para criar as condições básicas para um mercado mais aberto e competitivo: um gás novo para a economia.
As distribuidoras de gás natural canalizado seguem cumprindo seu papel buscando um gás natural mais competitivo em preço. Nesse sentido, realizaram chamadas públicas de aquisição de gás, de modo a possibilitar que diversos agentes ofertantes de gás natural — inclusive a Petrobras — pudessem apresentar suas propostas, incrementando o ambiente de competição.
Apesar do interesse despertado pelas chamadas, o desfecho não foi o esperado. Apenas 5% do volume de gás consumido no País foi contratado fora dos domínios da Petrobras.
É importante ressaltar que, ao longo desse ano, ainda é aguardado que a ANP concretize todas as demandas para a abertura efetiva do mercado. O preenchimento do quadro de diretores é fundamental para que essa Agência federal produza a regulação necessária para a abertura do mercado de gás, de maneira estável, ágil e com segurança jurídica.
Essa atuação esperada da ANP é fundamental para que, dentre outros, os agentes interessados possam ter clareza acerca das regras para acesso à capacidade dos gasodutos de transporte, bem como às unidades de escoamento e processamento, que ainda pertencem à Petrobras.
No final do processo das chamadas públicas, a maioria dos demais proponentes se viu forçada a retirar suas propostas por falta de resolução dessas condições precedentes.
Diante desse cenário, desde outubro de 2021, as distribuidoras vêm negociando com a Petrobras melhores condições contratuais, que possam minimizar ou rever o reajuste de 50% estabelecido pela companhia nos novos contratos — suspenso em diversos estados por meio de liminares obtidas na justiça comum, gerando insegurança jurídica.
A compra de gás diretamente pelos consumidores livres (lembrando que em muitos Estados os grandes consumidores não são obrigados a adquirir gás das concessionárias, podendo buscar alternativas de mercado que melhor lhes atendam) também não evoluiu de maneira satisfatória. Ou seja, tanto concessionárias quanto consumidores livres continuam sem uma oferta mais competitiva e previsível de molécula e capacidade de transporte firme para atender o mercado consumidor. Isso demonstra que os gargalos existentes para a compra de gás pelas distribuidoras têm origem na falta de competição na oferta de molécula e na falta de capacidade de transporte firme em condições competitivas —não sendo, portanto, um problema decorrente da atuação das concessionárias estaduais.
Sob o ponto de vista mais estrutural, o marco regulatório aprovado pelo Congresso tem problemas mais graves. Ao contrário do anunciado pelos seus entusiastas, esse marco tem por efeitos o desestímulo a novos investimentos na infraestrutura de gás nacional e a indução a um crescimento do mercado via importação de GNL, insumo que naturalmente é importante para o mix de oferta no Brasil, mas que também gera distorções e alta volatilidade.
Isso coloca o Brasil diante de um paradoxo. Em janeiro, de acordo com o Boletim da ANP, o País registrou o maior patamar de reinjeção de gás natural em sua história, devolvendo para os reservatórios 68,5 milhões de metros cúbicos diários, mais de três vezes o volume importado da Bolívia (19,3 milhões m³/dia) no mesmo período.
O Brasil precisa fazer com que esse gás não seja desperdiçado e chegue ao mercado, reduzindo a dependência da importação e a exposição à volatilidade de preços do mercado internacional e, dado o cenário geopolítico atual, haveria ainda a possibilidade do País se tornar um exportador de gás.
Há saídas efetivas para estimular a oferta nacional. A principal seria criar um sinal forte de demanda para incentivar os investimentos em infraestrutura essencial — novas rotas de escoamento, unidades de processamento e gasodutos de transporte. Também é muito relevante consolidar a contratação de novas usinas térmicas a gás na base do sistema elétrico, capilarizadas pelo interior, como âncora para encorajar os aportes necessários para escoar o gás do pré-sal. Outra boa opção, em estudo em Brasília, seria a edição de políticas públicas que fomentem o uso do gás natural em caminhões e ônibus, como o melhor substituto para o diesel – temos experiências bem-sucedidas de transportadoras de cargas que buscam adequar-se às novas exigências ESG de seus clientes.
Por fim, mas não menos importante, cabe acelerar a desconcentração de mercado, conforme previsto no TCC firmado entre Cade, Petrobras e ANP, bem como evitar uma indesejada rota de judicialização.
É fundamental que a ANP cumpra sua maior missão (superar os entraves regulatórios que impedem a abertura do mercado) ao invés de atuar em causas de competência estadual estabilizada, criando insegurança jurídica e comprometimento de investimentos na expansão das redes de distribuição de gás natural canalizado.
Respeitar a Constituição Federal e a competência dos Estados, afinal, é um princípio básico para que o Brasil tenha um novo mercado de gás baseado em relações de confiança.
Fonte: Poder 360 – Augusto Salomon
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