Em meio ao cenário de valorização do gás natural, ocorrido desde o início da pandemia de covid-19 e agravado pela Guerra da Ucrânia, o Brasil tem deixado de aproveitar sua disponibilidade do recurso natural por falta de infraestrutura de exploração.
Com poucos gasodutos para escoar a produção, o país reinjetou em janeiro, segundo dados da ANP, 49,8% do produto extraído das jazidas.
O índice recorde supera os 45% da média de 2021, proporção que já alarmava estudiosos da economia da energia.
O dado não é uma exceção. Em fevereiro, a proporção ficou em 49,5%, segundo a última versão do Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural da agência.
A reinjeção de gás é uma estratégia industrial. Como a produção brasileira da commodity frequentemente é associada à extração de petróleo, o produto é reinserido pelas petroleiras nos campos para aumentar a pressão e, assim, conseguir extrair mais óleo dos poços.
Na falta de infraestrutura de transporte, essa medida evita que a substância seja queimada, lançando mais poluentes na atmosfera. No entanto, impede a exploração de todo o potencial do produto em terra firme.
Diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça aponta que em países produção de gás as mesmas características do Brasil, casos de Argélia e Nigéria, com produção associada ao petróleo.
Nos dois casos, as taxas de reinjeção oscilam entre 20% e 25%. A gás da diferença entre os índices poderia ser utilizada no transporte, na geração de energia, na indústria petroquímica, nas residências ou na produção de fertilizantes.
“Uma reinjeção de 45% não é técnica, é comercial, porque você não consegue colocar esse gás no mercado. Em 2019, essa taxa era de 35% e segue crescendo, então, está claro que há alguma coisa errada. O caminho é viabilizar uma estrutura para colocar esse gás no mercado”, avalia.
“Hoje o Brasil reinjeta 60 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Isso representa o dobro da demanda industrial brasileira. Um recurso da União que poderia retornar para o país, mas não retorna por falta de planejamento”.
No início de março, um relatório do CBIE estimou que o país perca, por ano, entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões de arrecadação com royalties, participações especiais e ICMS que poderia ser arrecadado desta fonte pagadora.
A parcela estimada corresponde apenas à frustração de receita, sem os impactos de produção, exploração e uso da commodity nas cadeias produtivas.
Segundo a ANP, cerca de 65% das reservas brasileiras provadas de gás natural ficam no Rio de Janeiro.
Nota Técnica da Alerj indica que o estado detém mais gás natural que países vizinhos inteiros, como Argentina e Bolívia, principal exportador da commodity para o Brasil, por meio do gasoduto Brasil-Bolívia.
Para especialistas, o avanço dessa cadeia proporcionaria diferentes oportunidades de desenvolvimento para o país. Professor da Faculdade de Economia da UFRRJ) Israel Sanches Marcelino destaca que o gás natural tem aplicação direta em segmentos econômicos já estruturados na sociedade brasileira.
Eles precisariam apenas de mudanças em suas trajetórias tecnológicas convencionais, para ampliar a demanda pelo produto e assim viabilizar comercialmente a construção de novos gasodutos.
“Hoje, é forte o debate sobre a retomada de uma produção nacional de fertilizantes, por conta da Guerra da Ucrânia, para atender o agronegócio. Pois bem: 70% do fertilizante é gás natural. As siderúrgicas mais modernas e competitivas do mundo utilizam gás natural como redutor químico, para purificação do ferro na produção de aço”, afirma Sanches Marcelino.
“Fazer isso com gás é mais barato e mais eficiente, é o estado da arte dessa tecnologia, mas não fazemos assim porque as siderúrgicas brasileiras não têm acesso ao gás”.
O investimento na construção de gasodutos é elevado porque o gás brasileiro está concentrado no pré-sal. Em média, é encontrado a cerca de 300 quilômetros da costa, de onde é extraído a pelo menos quatro mil metros de profundidade.
Montar uma infraestrutura para escoar a produção é algo que precisa ser pensado nas decisões de desenvolvimento dos campos e que depende de demanda sólida, como explica Diogo Lisbona, pesquisador do Ceri/FGV.
“Essas decisões são tomadas com antecedência, porque influenciam até mesmo detalhes da construção das plataformas, além do plano de desenvolvimento e a produção. A verdade é que, no passado, ninguém conseguiu prever esse cenário que estamos enfrentando hoje”, explica Lisbona.
“O Brasil confiou na oferta abundante de gás natural liquefeito (GNL) do mercado internacional para suprir a demanda das usinas térmicas, que é irregular. Muitas das nossas usinas operam com esse combustível e, agora, essa demanda está aquecida para suprir a carência do gás russo na Europa”.
A Petrobras prevê para o segundo semestre a inauguração do gasoduto Rota 3, com 355 quilômetros de extensão. Ele ligará as unidades de produção do pré-sal da Bacia de Santos até a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Polo GasLub, antigo Comperj, em Itaboraí, Região Metropolitana do Rio.
A estrutura, que deveria ter entrado em operação em 2020, vai escoar e processar mais 21 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. Projeções da EPE indicam que ele atenderá a demanda nacional até 2027.
Fonte: CNN Brasil
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