O leilão de térmicas está de volta
O leilão de reserva de capacidade, previsto para 30 de agosto, vai exigir do mercado de gás natural produtos mais flexíveis e pode estimular novos modelos de negócios no setor.
Este é o 2º leilão de potência da história, mas a concorrência deste ano traz novidades que – fora a inclusão das hidrelétricas na disputa — mexem com a dinâmica da oferta de gás.
Dessa vez a licitação foi desenhada com o objetivo de contratar termelétricas 100% flexíveis que consigam ser acionadas rapidamente a qualquer momento, em tempo real, para atender às variações instantâneas da demanda.
Uma mudança de rota em relação ao 1º leilão, de 2021, no qual os geradores assumiram compromissos de atender às programações diárias de despacho, definidas pelo ONS.
Leilão é a 1ª chance para térmicas a gás do governo Lula
A reserva de capacidade é uma forma de contratação que não depende de demanda de distribuidoras de energia.
O modelo foi criado para fazer a separação entre o lastro, a potência necessária para atendimento à carga, e a energia propriamente dita, com o objetivo de assegurar a segurança e a confiabilidade do sistema.
Com o enfraquecimento da demanda das distribuidoras nos tradicionais leilões de energia nova dos últimos anos, as licitações de reserva de capacidade se transformaram numa grande oportunidade de expansão das térmicas a gás.
A outras é a contratação compulsória prevista na lei 14.182/2021, de privatização da Eletrobras (essas com previsão de geração mínima, para ancorar o fornecimento a regiões não atendidas por infraestrutura de gás).
Em 2023, no primeiro ano de governo Lula, o calendário de licitações foi interrompido. O leilão de agosto marca a a primeira grande oportunidade para contratação de térmicas a gás, enquanto o setor ainda aguarda a definição dos próximos passos da contratação das usinas previstas na lei 14.182/2021
Térmicas existentes saem em vantagem em prazos apertados
O leilão de agosto vale tanto para térmicas novas quanto para usinas já existentes. Os prazos para projetos desenvolvidos do zero são desafiadores.
A licitação terá três produtos, sendo dois deles voltados para térmicas: o primeiro oferecerá contratos de sete anos (novidade do leilão) e início da entrega do serviço em 1º de julho de 2027 (prazo viável, basicamente, para usinas já existentes); e o segundo, com contratos de 15 anos de duração e entrega em 1º de janeiro de 2028.
A Petrobras já sinalizou, por exemplo, interesse em participar da licitação com térmicas já existentes e descontratadas, mas descartou incluir na concorrência o projeto termelétrico do Polo Gaslub, devido aos prazos.
Tamanho do leilão ainda é uma incógnita
O mercado ainda aguarda a EPE definir a potência a ser contratada.
Em 2022, a estatal do planejamento energético calculava em cerca de 7,5 GW o requisito de potência até o fim de 2028, diante da previsão de retirada do sistema de termelétricas em fim de contrato nos próximos anos. Os números estão sendo refinados para o leilão de agosto.
A consultoria Thymos Energia calcula que a necessidade para o leilão deste ano é bem maior, de 16,8 GW, motivada por uma combinação de fatores: saída de térmicas descontratadas do sistema, projeção de séries hidrológicas críticas e entrada crescente de fontes renováveis – e intermitentes.
O diretor de Marketing, Comercialização e Novos Negócios da Eneva, Marcelo Cruz Lopes, acredita que a demanda no leilão tende a ser alta.
“Mas ainda há muitas incertezas, muitos parâmetros e premissas que sensibilizam essa demanda e como se divide essa demanda pelos diferentes produtos”, disse, este mês, em teleconferência com analistas e investidores.
Resta saber também qual o espaço será reservado ao gás na concorrência com as renováveis, diante da perspectiva da contratação de hidrelétricas e do interesse do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de incluir sistemas de baterias no certame.
A minuta das diretrizes do leilão, colocada em consulta pública pelo MME, deixou as baterias de fora. Na nota técnica sobre a minuta, a pasta argumentou que o armazenamento em baterias ainda carece de “regulamentação devidamente madura”.
Regras do leilão exigem gás mais flexível
Em geral, usinas conectadas à malha de gasodutos estão sujeitas a cláusulas de take-or-pay (compromissos de retirada mínima) e ship-or-pay (pagamento pela capacidade contratada, independente do volume efetivamente movimentado) que não combinam com despachos 100% flexíveis.
Projetos termelétricos com gás associado ao petróleo (como nos campos do pré-sal) também têm dificuldades de casar com demandas muito flexíveis.
O presidente da Delta Geração, Alessandro di Domenico, destaca que as térmicas 100% flexíveis do leilão de reserva de capacidade exigirão condições mais flexíveis do mercado de gás. A vantagem, segundo ele, é que houve um aumento do número de supridores no mercado brasileiro nos últimos anos, em relação à realidade da 1ª licitação de potência em 2021.
“A gente tinha [em 2021] poucas opções fora da Bolívia e a própria Petrobras… E os próprios contratos têm evoluído, têm cada vez mais incorporando essas condições flexíveis. Uma térmica dessa natureza é um novo produto”, disse o CEO da Delta Geração, que conseguiu recontratar a UTE William Arjona (190 MW, MS) em 2021 e que avalia participar da licitação deste ano.
Leilão pode ser impulso ao serviço de estocagem
Um dos produtos flexíveis que pode começar a ganhar corpo é o de estocagem de gás – seja por meio do armazenamento subterrâneo, seja GNL nos terminais de regaseificação.
“O setor elétrico está caminhando para esse modelo de chamado horário. É um sinal de mercado para players se posicionarem em flexibilidade. O sinal para desenvolvimento de estocagem vai ficando mais forte, porque é um mercado [de potência] que não vai diminuir no médio e longo prazo, pelo contrário”, comenta o CEO da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto.
Perfil do leilão não é para qualquer projeto
Ao colocar a minuta da portaria com as diretrizes para a realização do leilão em consulta pública (até dia 28 de março), o governo preferiu não especificar, num primeiro momento, as fontes termelétricas que concorrerão.
Mas os requisitos mínimos definidos para o certame colocam determinadas tecnologias em vantagem.
As térmicas deverão seguir alguns requisitos mínimos de flexibilidade – com tempos reduzidos, por exemplo, de rampas de acionamento e desligamento das unidades geradoras.
O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, cita que usinas de ciclo combinado têm mais desafios técnicos para operar dentro dessas características. Por recuperarem os gases de exaustão das turbinas a gás para gerar uma turbina a vapor, essas térmicas precisam de mais tempo para esquentar as caldeiras e precisam ficar mais tempo ligadas para aproveitar melhor o vapor.
As térmicas a carvão também precisam de mais tempo para serem acionadas.
Mas não é uma sentença de morte. Ele diz que há alternativa para o gerador de usinas com ciclo combinado– nesse caso, seria operar com as caldeiras desligadas, como se as usinas fossem de ciclo aberto.
Eneva e Petrobras são candidatas naturais
As duas empresas já confirmaram interesse no leilão. Não à toa. A dupla está entre as candidatas naturais a participarem tanto como supridoras de gás quanto geradoras.
A Petrobras é dona de um portfólio de gás robusto – o que lhe permite se expor mais a demandas flexíveis. É dona também de termelétricas que estão por ficar descontratadas até 2028: Termoceará (223 MW, CE); Nova Piratininga (572 MW, SP), Vale do Açu (368 MW, RN), Termomacaé (928 MW, RJ).
Já a Eneva mira oportunidades de negociar a expansão da Celse, em Sergipe, e recontratar as UTEs Parnaíba I e III, cujos contratos vencem nos próximos anos – projetos de geração gas-to-wire (na cabeça do poço), aliás, têm vocação para demandas térmicas flexíveis.
João Carlos Mello, da Thymos, destaca que usinas já existentes, com investimentos já depreciados, largam na frente no quesito competitividade – e facilidade de cumprir com os prazos.
Marcelo Cruz, da Eneva, contudo, acredita que nem todas as usinas existentes conseguirão condições competitivas de acesso ao gás flexível.
“Não acreditamos que 100% dessas térmicas [descontratadas] vão ter condições de participar de forma competitiva desse leilão. Acreditamos que deve ter sim um nível de oferta de térmicas existentes para brigar por parte dessa demanda, mas enxergamos espaço também para expansão de projetos greenfield”, disse.
A Eneva trabalha para estrear no segundo semestre do ano a sua mesa de comercialização de gás – fruto da conexão do terminal de GNL de Sergipe à malha de gasodutos – e se posiciona como uma das principais alternativas à Petrobras na oferta de molécula flexível.
Para atender à demanda por flexibilidade, a empresa oferece produtos flexíveis, com programação para recebimento no dia seguinte, além de produtos spot de curto prazo e serviços de estocagem de GNL para terceiros.
Leilão é teste – e chance – para terminais de GNL ociosos
Embora as térmicas já existentes saiam em vantagem, Rivaldo Moreira Neto, da Gas Energy, destaca que o leilão de agosto será uma oportunidade interessante para avaliar o apetite dos terminais privados de GNL de brigar por contratos mais flexíveis.
A New Fortress Energy inaugurou recentemente o Terminal Gás Sul (TGS), em Santa Catarina, que já nasce conectado à malha de gasodutos. A empresa é dona de um portfólio de GNL no mercado internacional e mira oportunidades em leilões de termelétricas para monetizar a planta de GNL – construída sem um cliente âncora.
“Os terminais privados, conectados à malha, mudam o jogo. O GNL deixa de ser um balanceador de portfólio da Petrobras ou supridor isolado de térmicas. Agora temos players que podem avançar no mercado. Esse leilão de reserva vai ser a primeira oportunidade de sentir o apetite desses agentes”, comentou. Resta saber se esses agentes conseguirão GNL a preços competitivos. O cenário para a segunda metade da década é de sobreoferta.
Há espaço para projetos de diferentes perfis
A expectativa, com base em relatos de desenvolvedores de projetos, é que os donos de terminais de GNL com capacidade ociosa é que vão entrar com os projetos grandes.
Projetos conectados à malha de gasodutos – à exceção das usinas da Petrobras, com seu amplo portfólio de gás – devem ter mais dificuldades de comprar volumes grandes. Usinas no interior, desconectadas da infraestrutura de gás, aguardam os próximos passos dos leilões da lei 14.182/2021.
Mas há espaço para pequenas e médias termelétricas na malha, inclusive com base em novos modelos de negócios. Comprar gás das distribuidoras com desconto nos momentos de sobras intrasemanais ou intradiárias, para liquefazer e estocar GNL para a geração térmica é um modelo possível.
Leilão pode estimular mercado secundário, mas calma
Uma fonte de gás para os projetos termelétricos do leilão de potência pode ser um eventual futuro mercado secundário (de revenda de sobras de gás). Isso porque a tendência é que o despacho dessas térmicas aconteça em horários de ponta – justamente quando as indústrias reduzem o consumo.
No sentido inverso, estoques pontuais de GNL não usados no despacho térmico, em momentos de tranquilidade no sistema, podem ser comercializados para quem quer arbitrar oportunidades de curto prazo.
“Uma térmica agora com despacho horário vai estimular qualquer sobra de gás pode ter destino numa térmica, até de compra de gás associado ao petróleo de players do pré-sal. Mas não vejo esse mercado secundário se desenvolvendo de forma muito rápida. Ainda não é trivial, vai demandar evoluções, porque o mercado brasileiro não é totalmente líquido e fluido, são poucas fontes de oferta ainda. E o investidor tem que fazer a decisão agora [sobre a participação no leilão de reserva], não no fim da década”, comentou,
Fonte: Epbr
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