Origem Energia e TAG negociam uma parceria estratégica para destravar ainda em 2024 o primeiro projeto de estocagem subterrânea de gás natural (em formações geológicas) do Brasil. Os olhares se voltam para o pioneirismo da dupla, que desbrava um negócio ainda inexplorado no país — e que pode ajudar a desatar os nós (mercadológicos, regulatórios) que ainda cercam a atividade por aqui. Em paralelo, outros agentes se posicionam no mercado: a Gas Bridge Storage (GBS) comprou a fatia de 10% da Prio em Manati (BA), e mira a conversão do campo num negócio de armazenamento de gás no futuro; a Eneva lançou um serviço de estocagem de GNL para terceiros, no terminal de regaseificação de Sergipe – um outro perfil de serviço, voltado para traders globais. Mas também se prepara para oferecer produtos flexíveis ao mercado brasileiro. O leilão de reserva de capacidade, que contratará térmicas 100% flexíveis, aliás, pode ajudar a impulsionar a estocagem de gás no Brasil (em seus diferentes modelos de negócio). Mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre a dinâmica desse novo mercado de armazenamento de gás natural.
Origem e TAG assinaram, no fim de março, um acordo não vinculante para desenvolvimento conjunto do projeto de estocagem nos reservatórios depletados do Polo Alagoas, da Origem. O investimento estimado é de até US$ 200 milhões, em diferentes etapas: na fase inicial, a capacidade de armazenamento será de 106 milhões de m³/ano, mas, no longo prazo, pode chegar a 500 milhões de m³/ano. As empresas pretendem oferecer desde serviços em base firme a produtos na modalidade interruptível. A Origem contribuirá com a infraestrutura já desenvolvida – reservatórios depletados, poços perfurados, dutos de escoamento e o “gás de colchão”, que é o volume permanentemente estocado para gerenciar o reservatório. A TAG, por sua vez, aportará o capital para investimentos nas infraestruturas adicionais para iniciar o serviço de estocagem. A associação de um transportador ao projeto faz sentido e não é novidade. Na Europa, a Engie, acionista da TAG, opera tanto no transporte de gás quanto no mercado de estocagem. Lá, oferecer capacidade na malha de gasodutos é um dos serviços oferecidos pelo transportador. Sinergia. Em 2023, o presidente da TAG, Gustavo Labanca, já havia antecipado ao estúdio epbr que a transportadora olhava para alguns potenciais parceiros. E que se vê como investidor e, ao mesmo tempo, cliente da estocagem — já que o serviço traz flexibilidade para a gestão do balanceamento da malha, auxiliando no equilíbrio do fluxo de gás nos gasodutos. A empresa também aposta que a estocagem de gás abrirá, no futuro, caminho para desenvolvimentos de novas tecnologias de armazenamento como captura e armazenamento de carbono
Outro agente que tem interesse em desenvolver um projeto de armazenamento subterrâneo, a Gas Bridge deu um primeiro passo no fim do ano passado, ao entrar na concessão de Manati. A vida econômica do ativo se alongou com aumento dos preços do GNL no mercado internacional, nos últimos anos. O CEO da GBS, Celso Silva, conta que a decisão da empresa de investir em Manati foi ancorada no contrato de venda do gás para a Petrobras, a operadora do campo, mas que o objetivo do grupo “não é ser um produtor de gás” e que a companhia acredita no potencial de estocagem do ativo para o futuro. Ele acredita que a produção de gás de Manati deve se esgotar até o início de 2026, a depender do ritmo da demanda. E conta que os sócios (Petrobras, Enauta, GBS e Geopark) vêm mantendo conversas sobre a estratégia de abandono do campo – o que pode incluir um projeto de armazenamento. “A gente acredita que seja o maior campo de estocagem que possa ter aqui no Brasil”, disse Silva. Segundo ele, uma vez tomada a decisão de investimento, os projetos são de rápida implementação, com execução em 12 a 18 meses até o início da prestação de serviços.
A empresa opera em estocagem dentro de um conceito diferente (GNL no navio regaseificador, não gás em reservatórios) – e com um perfil de demanda diferente. A empresa mira o mercado global. A Eneva estreou o serviço no 2º semestre de 2023, num contrato com a Qatar Energy – fornecedora de GNL para a termelétrica Porto de Sergipe. O gerente-geral de Marketing e Inteligência de Mercado da companhia, José Andrade, explica que a Eneva disponibiliza a capacidade ociosa do navio regaseificador para traders que queiram estocar GNL para aproveitar oportunidades de arbitragem no mercado – como comprar cargas em momentos de baixa para revender em cenários de preços mais altos. Ele conta que a companhia mantém conversas com outros potenciais clientes, mas que esse tipo de serviço tende a ser prestado eventualmente, quando as janelas de arbitragem estão propícias — sobretudo no 2º semestre, quando as traders se aproveitam dos preços baixos no verão do Hemisfério Norte para arbitrar no inverno, ao fim do ano. A Eneva, contudo, mira também o mercado doméstico – não para oferecer um serviço de estocagem de gás propriamente dito. O terminal de Sergipe é de regaseificação e não consegue, por exemplo, operar num fluxo contrário, armazenando gás doméstico. Mas a capacidade de estocagem de GNL no navio regaseificador permite à empresa, na gestão de sua carteira, ofertar produtos flexíveis de gás ao mercado – que, em certa medida, concorrem com os serviços de armazenamento subterrâneo. “O mercado brasileiro é ávido por serviço de flexibilidade… De certa forma, existe uma concorrência entre vários modelos de negócio, o que é bom para o consumidor. Mas a gente enxerga que vai ter espaço para estocagem subterrânea em campos depletados e que já há espaço para os terminais de GNL que estão ligados à malha, para oferecer esse serviço de flexibilidade também. No futuro, talvez, a gente pode estar falando de estocagem em cavernas de sal”, disse.
A Nova Lei do Gás (14.134/2021) alterou o regime da atividade de estocagem subterrânea, de concessão para o de autorização. A Resolução ANP 17/2015 já permitia, desde antes disso, a autorização de estocagem subterrânea em campos depletados, na ocasião da aprovação do Plano de Desenvolvimento dos campos de produção. Em abril de 2023, a ANP aprovou o novo plano de desenvolvimento do campo de Pilar, operado pela Origem, com a inclusão do projeto de estocagem subterrânea de gás – a autorização efetiva do regulador para a prestação do serviço, contudo, segue pendente. Mas uma vez publicada a Nova Lei do Gás, a ANP terá de regulamentar alguns aspectos do marco legal. Procurada, a agência esclareceu que o tema de estocagem de gás deverá ser alvo de resolução específica, mas que, no momento, ainda não há uma data de conclusão definida. O regulador, contudo, afirmou que, ainda que não exista resolução específica, analisará e poderá aprovar os projetos submetidos, conforme preconiza a Nova Lei do Gás. Informou ainda que o projeto de Pilar está em análise. Há algumas áreas cinzentas no marco regulatório. Falta, por exemplo, um tratamento da ANP sobre o processo de autorização para a atividade de estocagem subterrânea em áreas não produtoras e não contratadas — fora, portanto, do escopo da Resolução 17/2015. O assunto será o primeiro objeto de estudos do Programa de Estudos Geocientíficos para Armazenamento de Gás (PAG), instituído em 2023 pela ANP.
Sem uma previsão ainda de quando a estocagem será regulamentada, a expectativa é que a regulação venha em seguida, a reboque dos casos concretos que surgirão no mercado. O entendimento no mercado é de que as tarifas de estocagem devem ser livremente negociadas. Esse é um ponto sensível dentro das teses de investimento das empresas. O decreto regulamentador da Nova Lei do Gás, contudo, prevê que a ANP regulará o acesso de terceiros às instalações de estocagem subterrânea, observados critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios. As tarifas, em caso de acesso regulado, deverão ser aprovadas pela agência. Lista de perguntas: E se o serviço de estocagem for oferecido pelo transportador e incluído nas tarifas de transporte? Será livre negociação? A parceria Origem-TAG fere de algum modo o conceito de desverticalização trazido pela Nova Lei do Gás, que proíbe a relação societária direta ou indireta entre transportadores e produtores de gás? Esses são alguns dos questionamentos que circulam no mercado.
Agentes do mercado que miram o mercado de estocagem pedem uma harmonização maior entre as regulações dos setores elétrico e de gás. Andrade, da Eneva, cita o caso que envolve a nominação dos gasodutos. As termelétricas precisam confirmar, de véspera, a capacidade a ser utilizada no dia seguinte nos gasodutos, mas essa confirmação é dada num horário que antecede a decisão do ONS se a usina em questão será despachada ou não (e em que nível). Ele também considera altas as tarifas de transporte de curto prazo. As transportadoras cobram, hoje, múltiplos sobre a tarifa base para contratos diários que chegam a 1,6 x. “As regras de contratação e as tarifas de transporte de curto prazo não estão priorizando essa contratação de curto prazo, que é o que traz mais liquidez ao mercado, que pode facilitar essas transações para injetar gás na estocagem no caso de um excesso, ou para receber um gás de backup… Isso deveria ser priorizado nesse atual momento do mercado brasileiro”. No mercado, hoje, também há dúvidas sobre como vai funcionar a tarifa de transporte para o gás injetado e retirado da estocagem. Celso Silva, da GBS, explica que em mercados maduros como na Europa, há descontos para a movimentação do gás estocado. E cita que, para que esse mercado se desenvolva, é preciso que as operações de swap estejam maduras – e que haja oferta de gás novo no mercado. Celso Silva também menciona a necessidade de se discutir o pagamento de royalties por parte dos projetos de estocagem: “Quando se retira o gás do reservatório, ele carrega um pouco de condensado que ainda possa vir a existir. É muito pouco, mas é algo que a ANP tem que regulamentar”, defende.
Fonte: Epbr
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