Apesar dos avanços trazidos pela reforma tributária, o mercado de gás natural ainda conviverá com um ambiente de insegurança jurídica até que a regulamentação da reforma seja concluída, avalia o gerente Tributário da Eneva, Bernardo Valois. “A gente ainda tem muita insegurança jurídica com relação ao que vai vir”, disse Valois. Nesta quarta (24), o governo enviou ao Congresso o principal projeto de lei complementar de regulamentação da reforma. Ficou definido que o Imposto Seletivo sobre a extração será aplicado sobre o petróleo e o gás, mas o texto zera a alíquota para o gás usado como insumo industrial. Além disso, o PLP insere o gás e o biometano no regime específico de tributação dos combustíveis. O projeto, contudo, ainda tem um caminho de tramitação no Congresso. “Mas lógico que, quando a gente olha para o que era o tributário no Brasil antes, acho que a gente evoluiu muito”, ressalvou Valois.
Na visão do gerente-executivo Jurídico e Tributário do IBP, Matias Lopes, a inclusão da extração de óleo e gás no Imposto Seletivo “foge da simplificação e racionalização” que o país busca com a reforma tributária. Ele alega que a indústria petrolífera já convive, hoje, no Brasil, com uma alta carga de tributos e participações governamentais (royalties e participações especiais), e, mesmo assim, vem sendo alvo de políticas que reforçam o viés arrecadatório. Lopes cita, como exemplos, a recriação da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG), no Rio de Janeiro; a instituição temporária do imposto sobre exportações de petróleo cru, pelo governo federal em 2023; e as discussões, na ANP sobre a revisão do preço de referência do petróleo – que pode levar ao aumento do pagamento de royalties pelas petroleiras. “Todo esse emaranhado de tributações, de imposições estatais, da União, Estados e Municípios, isso tudo faz com que haja uma sensação de insegurança”, comentou.
A sinalização do governo, de que o gás usado como insumo industrial ficará de fora do IS vem em linha com um dos objetivos do programa Gás para Empregar, de incentivar o consumo do gás natural como matéria-prima nas indústrias de fertilizantes e petroquímica. Em paralelo à regulamentação da reforma tributária, tramita no Congresso o Profert – que prevê, entre outros incentivos tributários ao setor de fertilizantes, desonerar o gás natural voltado à produção de nitrogenados. Para a diretora de Estudos para Petróleo e Gás da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Heloísa Borges, a chegada de uma molécula competitiva para a produção de fertilizantes passa, necessariamente, pela redução de custos na cadeia do gás e a sua desoneração. Em 2023, a EPE publicou um estudo que indica que o preço do gás natural necessário para viabilizar novas fábricas de fertilizantes nitrogenados, no Brasil, pode variar de US$ 3 a US$ 9 o milhão de BTU, a depender das condições do mercado e tamanho do investimento, dentre outros fatores. “A gente firmemente acredita que, adotando medidas de competitividade, transparência, acelerando alguns processos, a gente consegue chegar com gás nessa faixa, talvez não a US$ 3 o milhão de BTU, mas US$ 9, US$ 7…”, disse Heloísa. O sócio do Faveret Tepedino Londres & Fraga Advogados, José Roberto Faveret, por sua vez, acredita que viabilizar o uso do gás como matéria-prima passa por “remover todos os custos que são possíveis” ao longo da cadeia – como a isenção de tarifas de distribuição para fafens – e por “soluções mais criativas” no mercado. “O que eu estou querendo dizer? Um contrato simplesmente de compra e venda de gás talvez não funcione para determinados empreendimentos. Talvez nós tenhamos que trabalhar com contratos em que o preço do gás seja atrelado ao preço do produto final [como os fertilizantes nitrogenados]”, comentou. Gerente de Cenários Petróleo, Gás, Energias e Naval da Firjan, Fernando Montera, argumenta que, no fim das contas, tudo se resume a uma questão de preço. “Precisamos de toda a discussão de arcabouço regulatório, de mercado livre, de poder encontrar a molécula, de ter preço, preço, preço, preço, no final das contas”, concluiu.
Fonte: Epbr / Gas Week 2024