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De olho no Combustível do Futuro, agentes buscam soluções para o desafio de escoar o biometano

O Combustível do Futuro vai à sanção do presidente Lula na terça (08) e, a partir daí, começa a agenda de regulamentação da lei – que traz, consigo, uma política para acelerar o desenvolvimento do biometano a partir de 2026. A evolução (e o próprio tamanho) do mandato dependerá, ao fim, de decisões pendentes: a consideração ou não do mercado voluntário existente no cálculo das metas e o diagnóstico da oferta disponível, por exemplo. E, nessa equação, um dos principais desafios para que essa indústria do biometano decole, de fato, será a questão logística. O potencial de produção, no Brasil, é pulverizado – e presente, principalmente no agro, em regiões onde a infra de gás é deficitária ou inexistente.  A indústria brasileira de biometano dá seus primeiros passos valendo-se, majoritariamente, do modal rodoviário. Aos poucos, contudo, as plantas de biometano começam a se conectar às redes das distribuidoras estaduais de gás canalizado. E, agora, as transportadoras se movimentam para se posicionar como agregadoras de biometano.

A presidente da MDC Energia, Manuela Kayath, pontua que a conexão das plantas de biometano na rede de gasodutos não é trivial: “Tem um custo de conexão a ser feito. Quem paga por esse custo?”. A resposta depende do tratamento regulatório que se dê para as conexões – e aí isso pode variar de estado para estado, no caso da distribuição; e do modelo de remuneração das transportadoras, a ser aprovado pela ANP. A preocupação com o custo de conexão das plantas de biometano nas redes das distribuidoras estaduais – e o peso sobre as tarifas – é recorrente entre entidades ligadas aos consumidores industriais.  Em SP, a Comgás está investindo nas suas primeiras conexões: Paulínia Verde e Costa e Pinto, ambas, aliás, com participação de empresas do mesmo grupo empresarial da distribuidora. Nos dois casos, as fontes de suprimento estão localizadas próximas da rede. Hoje, as conexões são viabilizadas em SP pela assinatura do Termo de Utilização de Interconexão, entre as concessionárias e os produtores de biometano. O TUI é o que garante o retorno do investimento da interconexão e é pago pelos consumidores. “Onde houver a possibilidade de interconexão, a regulação vai estar lá para buscar essa viabilidade econômica. Mas há casos em que não há essa viabilidade econômica e que é muito mais eficiente fazer distribuição por GNC”, ressalvou a superintendente de Regulação de Gás da Arsesp, Carina Couto. No transporte, o tratamento regulatório para a conexão do biometano ainda é uma fronteira aberta. A gerente de Assuntos Regulatórios da TAG, Cristina Sayão, conta que uma das alternativas sugeridas à ANP é que a injeção se dê por meio dos contratos de conexão de acesso. Nessa modalidade, que permitiu a conexão do terminal de GNL da Eneva em Sergipe, por exemplo, um agente (seja um fornecedor de gás ou distribuidora/consumidor) pode solicitar uma conexão de interesse específico por meio de acordo bilateral com o transportador. A remuneração do investimento recai sobre esse agente específico – que, por sua vez, tem direito a descontos na tarifa de transporte quando contrata capacidade no sistema. Sayão também cita a proposta de swap operacional — solução que permite que um produtor injete biometano na rede de distribuição e tenha créditos para retirar um volume equivalente em outro ponto da malha de transporte. “É como se ele tivesse feito uma entrada virtual no sistema de transporte”, explica Sayão. O diretor comercial da TBG, Jorge, por sua vez, cita que a empresa pleiteia, junto à ANP, a aplicação de um incentivo tarifário para o produtor do biometano – uma espécie de TUST-E.

O modal de escoamento de cada planta de biometano dependerá, ao fim, da característica de cada projeto (tamanho da produção, distância para a rede de gasodutos, proximidade de um mercado consumidor etc). “O biometano tem uma vantagem que ele pode ser distribuído através de multimodais”, afirmou Kayath. Mas fato é que, em alguns casos, pode haver uma concorrência entre agentes de diferentes modais que se vendem como soluções logísticas. Para ilustrar: em SP, maior centro consumidor de gás do país e grande produtor potencial de biometano, a conexão de uma usina à rede de distribuição pode afetar, eventualmente, a economicidade de um projeto de expansão da TBG – que vê no interior do estado um mercado interessante. E vice-versa. Políticas públicas estaduais que visem a desenvolver o consumo local do uso do gás renovável (projetos estruturantes verdes, corredores sustentáveis etc) também podem conflitar, por exemplo, com as pretensões das transportadoras de levar a molécula para outras praças. O diretor da Alvarez & Marsal, Rivaldo Moreira Neto, cita a vocação do uso do biometano na substituição do diesel nas frotas do agronegócio no interior do país. “O biometano combina muito essa dispersão geográfica”. Ele acredita que não haverá, ao fim, um modal vencedor – e que é importante, sob a ótica do produtor e do consumidor, que haja alternativas que não lhes deixem reféns de uma única solução.

Na avaliação de Moreira Neto, porém, o escoamento por caminhões de GNC ou GNC tende a ser a solução mais eficiente a curto prazo. Ele cita que o Brasil não tem o adensamento da malha de gasodutos da Europa – o que permitiu o rápido desenvolvimento da indústria de biometano no continente. E defende que os fatores tempo e custo serão cruciais na escolha do modal, principalmente num momento em as indústrias estão tomando suas decisões sobre transição energética e diante da proximidade do mandato. “O caminhão é essencial nesse processo, porque consegue rapidamente capturar a demanda que está sendo identificada. Duto demora, é custoso”. Um dos agentes que aposta no modal rodoviário é a Ultragaz. Aproveitando-se de sua expertise na distribuição de GLP a granel, a empresa comprou em 2022 a Neogás, tradicional distribuidor de GNC, com o plano de desenvolver o negócio de comercialização de biometano off-grid. “Uma natureza do mercado biometano é que é um mercado espacialmente mais distribuído. Ele está muito mais no interior do país do que, por exemplo, o gás natural convencional, que está na costa. E também tem muitos clientes que também estão no interior do país’, comentou o diretor Estratégico da Ultragaz, Aurélio Ferreira. Entre os produtores, a Gás Verde, por exemplo, optou, pelo menos num primeiro momento, pelos caminhões – mesmo com algumas de suas plantas relativamente próximas da malha de gasodutos. A companhia, contudo, avalia alternativas e estuda injetar na rede da NTS, de olho em oportunidades de acessar mercados de outros estados. “A gente atende quase 80 clientes no Brasil, todos via caminhão, porque a gente não conseguiu encontrar em nenhum ambiente, em nenhum estado, uma regulamentação, uma tarifa pronta que nos desse conforto [para injetar na rede]”, disse o CEO da Gás Verde, Marcel Jorand, no 11º Fórum do Gás. Ele pede mais clareza sobre as condições de acesso: “O quanto vai custar? Qual vai ser a regra, qual vai ser o jogo jogado, seja no transporte, seja na distribuição? A regulamentação dos certificados de origem, pós-sanção do Combustível do Futuro, também será importante para dar mais segurança ao cliente sobre a rastreabilidade do biometano, uma vez injetado nos gasodutos.

O modal rodoviário, porém, tem suas limitações, sobretudo se o gás for transportado na forma comprimida – o GNC costuma ser competitivo em mercados dentro de um raio de até 300 km. Distribuidoras e transportadoras buscam, então, uma aproximação com a indústria de biometano, para se posicionarem como soluções logísticas que prometem aos produtores um alcance maior de mercados consumidores. “A gente entende que, ao terem um mercado brasileiro, os produtores vão ter condições de conseguir um preço melhor pelo produto… e, com isso, ficam incentivados a aumentar progressivamente a produção”, disse Hijjar. Do lado das transportadoras, a ideia da TBG e TAG é se posicionarem como agregadoras de biometano a partir da criação de hubs que ajudem a viabilizar a conexão de produtores que, isoladamente, não teriam escala suficiente para se conectarem ao transporte. As duas transportadoras estão na fase de mapeamento da demanda. Hijjar conta que, a princípio, São Paulo e Mato Grosso do Sul despontam como principais candidatos para atração de hubs.  A TBG apresentou a modelagem do negócio para aprovação da ANP. E acredita que, uma vez aprovado, o projeto demandaria três anos para ser construído. Para os produtores, acessar a malha de gasodutos significa adicionar um custo (as tarifas de transporte) ao preço de seus produtos. Hijjar acredita, no entanto, que a conexão tende a ampliar as chances de negociação de preços melhores pelo gás renovável – o que compensa. “Acreditamos que existe uma estrutura de preços que vai variar da seguinte forma: o maior preço vai ser dado pelo mercado nacional, que vai competir por essa molécula; o segundo melhor preço vai ser dado pela distribuição; e o mais barato vai ser o consumidor ali do lado [da usina]”, comentou.

A Abiogás (biometano) e a Abegás (distribuidoras) assinaram um termo de cooperação e uma das agendas comuns é a defesa de uma política para substituição do diesel por gás em veículos pesados. “Para alcançar grandes volumes de biometano, a gente vai precisar levar esse biometano através de gasodutos. Então, o grande desafio é esse: viabilizar novos investimentos. E, para isso, a gente precisa ter novas demandas”, disse o diretor técnico comercial da Abegás, o Marcelo Mendonça. Em SP, Comgás, Necta e Naturgy estão em processo de Revisão Tarifária e devem apresentar nos próximos meses seus planos de negócios. “A gente vê uma tendência de crescimento do mercado livre nesse ciclo [tarifário], inclusive de interconexão de plantas de biometano com a rede. Por um lado, isso traz diversificação de oferta”. “E também tem a questão da descentralização, a gente verifica que isso pode, inclusive, aumentar o volume de consumo do estado em regiões estratégicas, e contribuir também com os corredores sustentáveis”, disse Carina Couto. No Rio, a diretora de Distribuição da Naturgy, Christiane Delart, também acredita que o biometano será parte importante do plano de negócios da CEG e CEG Rio no novo ciclo de investimentos. A companhia apresentou um pedido de renovação das concessões e aguarda uma posição do governo estadual. Delart destaca que o biometano pode ser um importante aliado no desenvolvimento de projetos estruturantes, os gasodutos virtuais.

Para a diretora da consultoria Amplum Biogás, Leidiane Ferronato (veja a entrevista), o desenvolvimento do mercado de biometano passa pelo planejamento setorial, com inteligência territorial, para casar oferta e demanda. Ela cita o fato de o potencial de produção de SP ser concentrado no interior, sobretudo no Noroeste (na concessão da Necta) – e em muitos casos distantes da malha de gasodutos e dos principais centros consumidores (na malha da Comgás). Uma das novidades do novo decreto da Lei do Gás é, justamente, a criação do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano – a partir do qual a EPE indicará as melhores alternativas de expansão das infraestruturas, analisadas de forma sistêmica. A EPE espera trazer um diagnóstico também para a indústria do biometano – antes disso, a ideia é abordar, já no Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte (PIG) alternativas para injeção do gás renovável na malha. A estatal também prepara um estudo específico sobre distribuição de biometano por carretas. O entendimento, dentro da EPE, é que o modal dependerá do modelo de negócios de cada projeto de biometano. Para Rivaldo Moreira Neto, um dos desafios será conciliar o planejamento centralizado com a dinâmica do mercado.

Fonte: Eixos

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