A insegurança jurídica no setor de distribuição de gás natural do Brasil pode atrapalhar os planos do governo de fomentar o uso do combustível para apoiar a nova industrialização do país. Um dos episódios mais recentes envolve a revisão tarifária da Sulgás, concessionária que opera no estado do Rio Grande do Sul. A empresa solicitou à agência reguladora estadual Agergs um aumento de 62% em relação à margem bruta aplicada em 2023, o que significaria que o valor passaria para R$ 0,7592 (US$ 0,12) por metro cúbico – margem que representa 20% da tarifa final cobrada dos consumidores. No entanto, após consulta e audiência públicas realizadas em novembro, a Agergs decidiu por um reajuste de 7%, de modo que a margem bruta da Sulgás ficaria estabelecida em R$ 0,5014/m³. A decisão está sujeita a recurso. Por um lado, a decisão da Agergs agradou a indústria e os grandes consumidores, que consideram que o reajuste proposto pela Sulgás prejudicaria a competitividade e a atração de investimentos para o Rio Grande do Sul.
Para a Abegás, a decisão atinge componentes contratuais que afetam a margem legítima da distribuidora e podem impactar substancialmente o crescimento da infraestrutura de gás canalizado no Rio Grande do Sul. Segundo a entidade, a Agergs já se opôs, inclusive, a decisões anteriores da própria agência que previam o respeito às disposições do contrato de concessão. “As mudanças propostas pela agência podem comprometer a capacidade de a distribuidora atingir novos mercados e reduzir custos no longo prazo, além de impossibilitar que o gás natural e biometano cheguem a novas indústrias, comércios e residências”, alertou a Abegás. A Sulgás foi privatizada em 2021, quando foi vendida para a Compass, do grupo Cosan, que assumiu o compromisso, junto com o governo do Rio Grande do Sul, de investir R$ 300 milhões em cinco anos. De acordo com especialistas ouvidos pela BNamericas, a decisão da Agergs gera insegurança jurídica porque violou cláusulas do contrato de concessão, já que a agência afirmou que seria necessário um processo de revisão e adaptação do contrato. “Se, por hipótese, tal visão estiver correta, caberia ao poder concedente, em primeiro lugar, aditar o contrato de concessão e alterar a metodologia de revisão tarifária nele prevista, mas nunca proceder diretamente à violação de contrato que, na sua visão, deveria ser atualizado”, disse à BNamericas um advogado sob condição de anonimato. Eduardo Schiavoni, do Schiavoni Advocacia, assinalou que os contratos não podem ser modificados “com o jogo em andamento”, sob pena de haver prejuízos severos às empresas e, em último caso, aos consumidores. “O ideal é que qualquer alteração na modalidade de cálculo contratual seja debatida com o setor e estudada antes de ser modificada”, disse o advogado à BNamericas.
Ele ressaltou que o mercado brasileiro de gás natural está longe das boas práticas internacionais e que, para chegar lá, o país precisa estabelecer, de fato, um regime de concorrência do lado da oferta e eliminar barreiras para que os consumidores tenham liberdade de escolha. “O observado no caso da Sulgás é um retrato do que vem acontecendo sistematicamente no mercado de gás brasileiro. Enfrentar essa questão é fundamental para que o mercado de gás dê um passo adiante”, pontuou Schiavoni. Gustavo Quedevez, do escritório BVA Advogados, comentou que, de modo geral, essas questões são resolvidas por meio de conciliação até chegarem à arbitragem. “Por se tratar de um contrato público, é normal que haja discussões. Elas estão em um momento de negociação. Mas, tecnicamente, se a distribuidora entende que o valor não é adequado, ela tem instrumentos e garantias no contrato para poder demonstrar isso”, disse o advogado à BNamericas. Para os especialistas que conversaram com a reportagem, os maiores riscos regulatórios na distribuição de gás são a existência de entendimentos variados e, por vezes, conflitantes das agências reguladoras estaduais sobre o tema das violações contratuais para atender às pressões da indústria e dos grandes consumidores, em detrimento das concessionárias.
Não é só no Rio Grande do Sul que as discussões sobre as tarifas de distribuição estão em pauta. Em Sergipe, no Nordeste do país, o governo estadual está discutindo a possibilidade de alterar o contrato com a distribuidora Sergás a fim de reduzir sua taxa de retorno, que, atualmente, está em torno de 20%. A proposta conta com o apoio de grandes consumidores de gás e do governo federal, que trabalha para estimular o mercado de gás como vetor da nova industrialização do Brasil. Com a renegociação em Sergipe, existe a possibilidade de que o processo de revisão seja repetido em outros estados com contratos semelhantes.
Fonte: BNamericas
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