O governo trabalha para viabilizar o primeiro leilão de oferta de gás natural do pré-sal contando com três cenários de redução de preço. Um deles aponta para um corte de até 70% sobre o valor atualmente praticado pela Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA) — estatal que representa a União nos contratos de partilha. A estratégia envolve a definição de um preço de partida, que pode aumentar a depender do nível da disputa pelo produto a ser entregue na costa brasileira.
Com a PPSA, a discussão evolui no sentido de realizar o leilão ainda em 2025 com um preço capaz de oferecer competitividade para a indústria nacional. Os valores são referentes ao gás da Bacia de Santos entregue em terra firme — ou seja, após sair da plataforma, passar por gasoduto de escoamento em alto mar e receber tratamento na unidade de processamento (UPGN), no litoral de São Paulo.
Atualmente, o preço médio do gás natural fornecido após a UPGN está em US$ 14,50 por milhão de BTU (unidade térmica britânica), conforme informou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, esta semana em evento do setor. O gás da União é vendido a US$ 10,74 por milhão de BTU, embora a PPSA cobre apenas US$ 2,16 por milhão de BTU pelo produto extraído na boca do poço — outros US$ 8,58 são de tarifas e encargos contratuais cobrados por quem opera os sistemas de escoamento e processamento, a Petrobras.
Atualmente, o gás natural da União extraído da Bacia de Santos é comercializado pela PPSA com a própria Petrobras. Portanto, o alto custo de uso rede dos gasodutos de escoamento e processamento acaba não sendo sentido pela petroleira, que “paga de um lado, mas recebe de outro”, conforme descreveu uma fonte oficial. Como o preço para o consumidor é elevado, a companhia consegue obter uma margem de lucro expressiva.
As possibilidades de preços mais baixos para o leilão estão no cenário-base (ou intermediário) com o preço do gás natural de US$ 4,18 por milhão de BTU, no cenário conservador de US$ 5,83 milhão de BTU e no cenário otimista de US$ 3,36 por milhão de BTU. Este último representa uma redução de quase 70% (68,71%) sobre o preço atual praticado pela União.
A PPSA usará os cálculos apresentados esta semana em nota técnica pela EP) para buscar a redução de preço da molécula de gás esperada para o leilão, conforme o Valor apurou.
Sem aprofundar sobre a estratégia do governo, Silveira defendeu na última terça (18) que será preciso reduzir os preços cobrados pelo uso da infraestrutura de escoamento e processamento, além de “enfrentar as cláusulas abusivas” desses mesmos contratos, que seriam responsáveis por encarecer o gás nacional.
Uma fonte oficial informou ao Valor que os cálculos apresentados pela EPE na nota técnica serão usados pela PPSA para confrontar a Petrobras. A petroleira defende a manutenção dos atuais patamares de preços e condições contratuais. A companhia controla 100% das UPGNs e detém participação majoritária nos gasodutos de escoamento (Rota 1, 2 e 3) que operam com o gás extraído da Bacia de Santos.
Se houver divergência entre as duas estatais, a análise do processo pode subir para o Comitê de Monitoramento do Gás Natural e ser arbitrado pela ANP. Na avaliação do governo, a nota técnica da EPE, que faz simulações de preço de acesso à infraestrutura de gás baseada em metodologias internacionais, também servirá de base para instrução dos processos e tomada de decisão por parte da agência.
As cláusulas classificadas como abusivas pelo ministro também fazem parte de outra frente de negociação entre PPSA e Petrobras. O Valor apurou que a petroleira já cedeu na negociação sobre a suposta indisponibilidade da infraestrutura de escoamento por atingir a capacidade máxima. Ficou definido que será atualizada o estudo de 2019 que apontava um maior volume de gás nas Rotas 1, 2 e 3, em relação ao que de fato está sendo transportado. A tem exigido garantias financeiras que não caberiam à PPSA no acesso ao sistema de escoamento, além de cobrar penalidades pesadas referentes à qualidade do gás natural que deveriam ser endereçadas, para fazer sentido, a quem produz o combustível.
Outra queixa está relacionada à cobrança da tarifa de escoamento quando a operação é interrompida em razão de alguma alegação técnica da UPGN, como manutenção preventiva. É comum, segundo relato de uma fonte do governo, ainda aplicar multa calculada com o acréscimo de 50% sobre a tarifa.
Ao Valor, o diretor de gás natural da Abrace Energia, Adrianno Lorenzon, disse que a nota técnica da EPE representa um avanço no debate sobre a necessidade de redução do preço de acesso a infraestruturas essenciais desse segmento. Para ele, além de ajudar nas negociações da PPSA com a Petrobras, serve de “input” para a ANP avançar com a regulação do mercado.
“Hoje, o setor convive com a máxima de, se o gás natural no Brasil fosse oferecido a custo zero — ou seja, de graça! — ainda assim sairia caro para consumidor”, destacou Lorenzon. A Abrace Energia representa gigantes da indústria nacional que respondem por boa parte do consumo de energia do país.
Lorenzon explica que, no Brasil, o preço final do gás só oferece ganhos de competitividade para a indústria entre US$ 7 a US$ 8 por milhão de BTU. A entrega do produto na porta da fábrica envolve a somatória de todos os custos acumulados até a UPGN, incluindo o pagamento pelos serviços de gasoduto terrestres e distribuição local oferecido por uma empresa diferente em cada Estado, com valores médios de US$ 2 e US$ 3 por milhão de BTU, respectivamente.
Sobre o leilão proposto pela PPSA, o executivo da entidade concorda que os dois principais desafios para oferecer um preço melhor estão relacionados à conseguir fazer a ceder nas negociações de preço, onde a companhia costuma “jogar duro” com os agente de mercado, e reverter as cláusulas contratuais, consideradas “muito complexas” e “bem amarradas”. “A acaba jogando contra o principal objetivo da PPSA neste mercado, que é maximizar o retorno financeiro para a União com a venda de gás natural”, ressaltou Lorenzon.
O sucesso do leilão da PPSA, disse o diretor da Abrace Energia, tende a beneficiar não só o polo industrial de São Paulo, localizado próximo aos pontos de entrega de gás da União, após as UPGNs. Ele explicou que a malha de transporte de gasodutos, que opera em terra, funciona em modelo de sistema integrado. Isso, disse ele, garante que a indústria instalada em outros Estados, como Minas Gerais e Ceará, possa ser beneficiada pelo gás negociado no leilão.
Dados do Comitê de Monitoramento do Gás Natural, obtidos pelo Valor, indicam que a oferta de gás da União deve alcançar 300 mil metros cúbicos por dia (m3/dia) em 2026. Se confirmado leilão este ano, os primeiros volumes comercializados serão entregues a partir de 2027, quando a estatal projeta entregar 1,1 milhão de m3/dia. O governo prevê um período de oito anos com oferta em 3 milhões de m3/dia, com pico de 3,4 milhões de m3/dia em 2031.
Fonte: Valor Online
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