A discussão sobre a nova proposta de desconcentração do mercado de gás natural, conhecida como gas release, está bem amadurecida, afirma o senador Laércio Oliveira (PP/SE), em entrevista à agência eixos.
O programa chegou a ser inserido como emenda no Paten, sancionado no ano passado, do qual Oliveira foi relator.
No entanto, a proposta desencadeou uma reação da Petrobras e dentro do governo federal. A companhia manifestou preocupações sobre os impactos da desconcentração, especialmente em relação à contratação das plataformas de águas profundas no estado de Sergipe.
A ANP rejeitou, em dezembro, o plano de desenvolvimento da Petrobras para o projeto no estado, em razão da falta de informações adequadas.
A empresa, por sua vez, pretende reapresentar os dados em abril, com a expectativa de tomar a decisão final sobre os investimentos no segundo semestre.
O gerente-executivo de Gás e Energia da Petrobras, Álvaro Tupiassu, defendeu que os investimentos da empresa no estado envolvem desafios de natureza tecnológica, de engenharia e custos, mas também regulatórios.
“É importante que a gente tenha alguma estabilidade daqui para frente, pelo menos no que diz respeito à nossa própria produção (…) Sem ter uma clareza de visão sobre a possibilidade de comercialização desses volumes, o projeto não se torna viável”.
Embora o gas release tenha gerado fricções com a Petrobras, o senador procurou mitigar as tensões ao fazer concessões à companhia.
Ele se empenhou para ajustar a proposta de forma a preservar os interesses da estatal, especialmente no que diz respeito à produção e comercialização do gás natural que a empresa produz. O gás próprio, mencionado por Tupiassu, seria preservado.
Segundo Laércio Oliveira, o mercado brasileiro de gás precisa urgentemente de mais concorrência para baixar os preços e ampliar o consumo. “É importante destacar que a pauta da desconcentração de mercado não é pessoal, é uma necessidade do país”, diz.
“Na fase anterior dessa discussão, minha assessoria manteve reuniões com a área técnica da Petrobras e buscamos adequar a proposta de forma a preservar os pontos mais sensíveis para a companhia, de forma a estimular a implantação de novos projetos e aumentar a produção de gás dos projetos em operação”, diz.
O novo projeto está sendo batizado de Progás, como mostrou a eixos em fevereiro.
Oliveira critica a “morosidade institucional” sobre o tema. Afirma, inclusive, que um “pacto” poderia acelerar a discussão.
“Estamos analisando algumas ideias e contribuições, visando a consolidar um conjunto de medidas que poderão ser implementadas, seja através de um projeto de lei ou de um pacto com termos de conduta com participação dos agentes envolvidos, o que certamente representaria um marco para o setor”.
Apesar das declarações otimistas do parlamentar sobre o avanço das discussões e a cobrança da indústria, a Petrobras mantém posição contrária à ideia de simplesmente “mudar o gás de mão”. A presidente da estatal, Magda Chambriard, afirmou recentemente durante a CeraWeek 2025, em Houston, que tal mudança não reduzirá os preços.
Segundo Magda, é essencial investir na ampliação da infraestrutura e criar um ambiente regulatório mais favorável para atrair investimentos. Ela criticou o custo cobrado por gasodutos no transporte, elo em parte privatizado no governo de Jair Bolsonaro.
Indústria e MME retomam debate sobre gas release
Em março, a EPE apresentou um estudo sobre a experiência europeia, indicando que programas de desconcentração do mercado de gás natural ajudaram a desafiar o agente dominante e a acelerar a concorrência interna, quando acompanhados de reformas regulatórias.
O evento foi promovido na sede do MME, em Brasília. “O MME, diversos setores do mercado e autores renomados, em artigos publicados, defendem abertamente a importância de promover um programa de gas release para possibilitar uma maior abertura, aumento da concorrência, redução do preço e ampliação do consumo”, defende o senador.
A CNI também publicou um diagnóstico recente, afirmando que o mercado segue travado, a despeito da Lei do Gás, de 2021. Nela, Laércio Oliveira incluiu a previsão do gas release, durante a relatoria na Câmara dos Deputados.
“A ANP deve aplicar medidas para evitar práticas anticompetitivas e estimular a competitividade, utilizando mecanismos como gas release e capacity release para garantir a diversificação da atuação no setor”, diz a confederação.
Proposta preserva competência legal da ANP
“Quero de antemão esclarecer que a proposta não tem o propósito de suprimir qualquer prerrogativa da competência legal da ANP de regular o setor, sendo apenas uma antecipação de conduta que já traria benefícios ao mercado, enquanto a ANP não entrega o normativo específico a ser elaborado dentro dos procedimentos regulares”, diz o senador. Além disso, a proposta não pretende limitar a atuação da agência prevista na Lei do Gás. Por meio da regulação, a agência poderia propor mais alternativas de descontração.
Em 2024, o governo Lula alterou a regulamentação da Lei do Gás, criando o Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural (CMSGN), que terá uma atuação conjunta com a agência. A intenção é acelerar a tomada de decisões.
Os detalhes da nova proposta do gas release
Laércio Oliveira defende que a proposta respeita os interesses da Petrobras, garantindo à companhia liberdade para comercializar o gás que produz e operar seus terminais de gás natural liquefeito (GNL), sem restrições.
O senador defende, entretanto, limitações ao “agente dominante” – referência à Petrobras, responsável por mais de 50% do mercado não-térmico –, impedindo-a de adquirir gás de terceiros para revenda e exigindo redução progressiva dessas compras.
“A minha forma de fazer política sempre foi buscando o entendimento para construção de consensos, muita conversa e negociação para chegar a um projeto que seja bom para todos, sendo, por óbvio, necessário que sejam feitas concessões pelos diversos grupos de interesse”, diz Laércio.
Principais pontos da proposta
O senador detalhou e defende, a seguir, os principais pontos da proposta: A Petrobras manteria a total liberdade para comercialização do gás de sua titularidade, tanto dos projetos que opera como dos projetos operados por outros parceiros, no Brasil ou no exterior; Não teria restrições para operações através dos seus terminais de GNL, como mecanismo de segurança energética e para suprimento das usinas termelétricas que dependem desse insumo. Tal operação também viabiliza a contratação de gás de curto prazo e no mercado spot, devido às especificidades do mercado de gás natural; A Petrobras poderia fazer a contratação de biometano no propósito de atender o mandato do Combustível do Futuro; O agente dominante, aquele que detenha mais de 50% do mercado de gás natural não térmico, não poderia adquirir gás de terceiros para revenda, pois isso aumentaria seu poder oligopolista, o que representa um risco para o mercado;
O agente dominante deveria reduzir o volume de gás de terceiros comercializado, tendo como referência o total que comercializou no ano de 2024, em 20% desse montante ao ano, de forma que não tenha comercialização de gás de terceiros no prazo de 5 anos; Os volumes já contratados e em produção que por ventura excedam tais limites deveriam ser ofertados ao mercado, por meio de leilões; Os volumes de compra de gás contratados com parceiros em projetos que o agente dominante tenha participação ainda sem produção ou que venham a ser firmados em decorrência de necessidade de viabilização da decisão de novos investimentos deverão ser ofertados ao mercado através de leilão.O gás canalizado importado de terceiros seria enquadrado nas três medidas anteriores: o agente dominante não poderia adquirir gás de terceiros para revenda; deve reduzir em 20% ao ano; e volumes já contratados que excedam o limite deveriam ser ofertados nos leilões;
Como será a operação dos leilões
Os leilões deverão contemplar diversas modalidades de prazos de duração e carência para início de fornecimento de forma a dar liquidez ao mercado e viabilizar novos projetos intensivos em consumo de gás natural e substituição de combustível de setores que usem outros combustíveis com maior pegada de carbono; Deverão ser feitos numa primeira rodada para atendimento exclusivo de distribuidoras estaduais e de clientes do mercado livre. Se no primeiro leilão não tiver interessado, deverão ser feitos mais dois leilões abertos para todos os agentes de mercado.
Após o terceiro leilão, os volumes não comercializados passarão a ser considerados gás próprio do agente dominante que poderá fazer a comercialização direta; O agente dominante poderia estabelecer para os leilões o preço mínimo como sendo aquele de sua aquisição, devendo ser indicado de forma transparente as origens e a composição do seu custo, de forma a não gerar prejuízos.
Gas release parou na ANP
A Lei do Gás atribuiu ao regulador a competência de acompanhar o mercado e, a seu exclusivo critério, adotar medidas para promover a efetiva concorrência nos diversos elos da indústria — desde que o Cade seja consultado.
Na sequência, em 2022, o CNPE reforçou o gas release como uma das diretrizes da transição para um mercado concorrencial.
A ANP chegou a publicar uma nota técnica, com o diagnóstico da concentração do mercado de gás no Brasil. Apontou, na ocasião, que houve avanços com a liberação de capacidade na malha de transporte e início do processamento do gás de terceiros nas UPGNs, mas que os ganhos até agora “ainda representam uma redução pequena, se não marginal”, da participação de mercado da Petrobras.
E incluiu então, em 2023, o gas release na agenda regulatória. Contudo, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) ainda não avançou. E, mais recentemente, em julho, a agência suspendeu os cronogramas de ações com início previsto para 2025, dentre elas a AIR para o programa de desconcentração.
Fonte: Eixos
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