Com menos de 10 mil quilômetros de extensão e concentrada na área costeira, a malha de gasodutos brasileira corresponde à metade da estrutura de países com um quinto da população, como a vizinha Argentina – mais de dez Estados nem sequer estão conectados à rede.
Com a descoberta do pré-sal, há capacidade para dobrar a produção interna de gás natural em até dez anos, estima o BNDES. Mesmo com as adversidades, o produto chega a mais de 3,7 milhões de unidades consumidoras no país e corresponde a 12% da matriz energética nacional.
E, para destravar o setor e ampliar a oferta do produto, que é mais barato que outras fontes como a energia elétrica e os combustíveis, o novo marco legal do setor de gás está na pauta de votação da Câmara dos Deputados.
Após quase sete anos de discussões, o projeto de lei foi aprovado em setembro na Casa e seguiu para o Senado, que alterou o texto original do PL 4.476/2020. Por conta da mudança, a proposta voltou para a palavra final dos deputados.
O governo federal considerou o tema como uma das 35 pautas prioritárias para a retomada econômica.
Entre as principais mudanças trazidas pela nova regulação está a substituição do modelo atual de exploração para o transporte de gás natural e construção de gasodutos, passando de concessão, em que é necessário vencer um leilão, para a autorização – a forma é considerada menos burocrática e pode atrair mais empresas.
Desde 2009, quando a legislação atual entrou em vigor, não foi construído nenhum quilômetro de duto para o transporte do produto. Além disso, a proposta pretende acabar com o monopólio da Petrobras no setor, que é responsável por 100% da importação e 80% da produção nacional de gás. Para o diretor de eletricidade e gás da Abraceel, Bernardo Sicsú, o novo marco regulatório é de suma importância para a abertura do mercado.
“Vai trazer uma série de benefícios, mas o principal é ampliar a competição. E, no longo prazo, vai permitir uma redução do preço do gás para os consumidores, além de trazer segurança jurídica e a saída do protagonismo da Petrobras para a entrada de novas empresas”, enfatizou o especialista.
A expectativa do Congresso Nacional, com a aprovação do texto, é que pelo menos 4 milhões de empregos sejam gerados em cinco anos, além de um crescimento do PIB de 0,5% nos próximos dez anos.
O projeto pode ainda impactar na produção do gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha que chega na casa das famílias brasileiras. Mesmo com a mudança, Marcelo Mendonça diz que a proposta não deve impactar nos preços, que atualmente está na média de R$ 75 no Brasil. “Esse é uma discussão interessante, mas os valores seguem uma parametrização de preços internacionais, assim como acontece com a gasolina e o diesel”, finalizou.
Alterações no Senado limitam eficiência
As mudanças no projeto promovidas pelos senadores dividem entidades que representam o setor. Ao todo, foram acatadas quatro emendas pelo relator do texto, o senador Eduardo Braga (MDB-AM). Uma das mais criticadas é a manutenção dos estados como responsáveis por regular o serviço local de gás – em todo o país, apenas 15 estados possuem empresas que atuam no setor. Também foi determinado que as unidades de processamento de gás natural sejam instaladas preferencialmente nos municípios produtores.
O gerente de gás da Abrace, Adriano Lorenzon, argumentou que as alterações descaracterizaram, “de certa forma”, o projeto inicial, considerado um consenso entre as entidades representativas do setor. “Um exemplo é a retirada do artigo que permitia o acesso a algumas infraestruturas que facilitam a competição, como os terminais de gás de importação. Isso dificulta a entrada de novos comercializadores”, disse.
Assim como o governo federal, que defende a manutenção do texto aprovado anteriormente na Câmara, a posição é compartilhada pela Abraceel. “Um dos pilares do novo mercado de gás é a harmonização das legislações estaduais (tema foi alterado no Senado). A comercialização é de nível federal, mas as regras para os consumidores finais são definidas por cada estado, que são muito distintas e alguns nem regulamentaram ainda. Se isso não for mudado, vamos continuar presos a um sistema ineficiente de escolha, que deve ser feito junto às distribuidoras locais”, explica Bernardo Sicsú, que também é coordenador-adjunto do Fórum Nacional do Gás.
Já o sócio-diretor da Zenergas Consultoria, Zevi Kann, apontou que as emendas corrigem distorções em relação à regulação estadual, prevista na Constituição. “A expectativa é de que a votação na Câmara dos Deputados não venha a alterar as emendas aprovadas no Senado, pois isso implicaria na intervenção em questões estaduais, trazendo incertezas e riscos de judicialização”, declarou o especialista nas áreas de Regulação dos Serviços da Indústria de Energia Elétrica e Gás Canalizado.
Sem estrutura para escoar, Brasil reinjeta gás no pré-sal
Enquanto importa gás natural de países como a Argentina e a Bolívia, o Brasil reinjeta um volume de gás extraído no pré-sal que corresponde a quase metade da demanda nacional – um dos motivos é a falta de infraestrutura para escoar a produção. O alerta é do diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça.
“É significativo o potencial que o país tem, e essa situação gera perdas de até R$ 9 bilhões em arrecadação, produção industrial. O momento do gás natural é agora. Se o Brasil perder, nunca mais recupera. Por isso, é importante aprovar esse novo marco regulatório para trazer investimento e aumentar a oferta”, detalhou.
Fonte: O Tempo (MG)
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