Gás do pré-sal e mudanças nos leilões de energia nova podem impulsionar segunda onda de investimentos em termelétricas
O resultado do leilão de energia nova A-6 de dezembro pode ter favorecido o início de uma nova fase de crescimento para o segmento de térmicas a gás natural, que não se via desde a época do racionamento de energia, em 2001, quando diversas usinas saíram do papel para atender à demanda altamente dependente das hidrelétricas.
Apesar de o quadro energético atual guardar relações com aquele tempo, o risco de racionamento é baixo, conforme assegura o governo. No entanto, o perfil da matriz está mudando, com maior penetração da energia renovável, exigindo uma fonte de base e barata que possa dar conta das intermitências.
Além disso, as hidrelétricas com grande dificuldade para recuperar os seus níveis de armazenamento e a tendência de novos projetos serem construídos a fio d´água, sem capacidade de reservação, só aumentam o problema, ou a oportunidade, conforme o ponto de vista de cada um.
O Brasil tem atualmente 166 termelétricas a gás natural, que somam capacidade instalada de 12,8 GW, ou 7,6% da oferta total de energia elétrica. Mas, nos próximos anos, esse número pode crescer em mais 22,7 GW, aproximadamente, partindo do princípio de que todas as usinas planejadas saiam do papel num curto espaço de tempo. Com isso, o potencial de investimentos chega a R$ 68 bilhões.
Viabilidade, o principal desafio
Um dos desafios do segmento é a capacidade de viabilizar as usinas no prazo previsto e com sustentabilidade econômica. Enquanto algumas se mostram viáveis e têm garantia total de cumprir os prazos, outras mostram algumas dúvidas se de fato cumprirão o cronograma. E existem ainda aquelas que praticamente estão a um passo de naufragar por diversos motivos.
É o caso da Bolognesi, que pretende construir a usina Rio Grande no município de mesmo nome, no Rio Grande do Sul. A usina também vinha enfrentando dificuldades para se viabilizar e a situação ficou mais complexa quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) cassou a outorga, mesmo com o anúncio da Bolognesi de um acordo de repasse para a americana New Fortress Energy.
Para a agência reguladora, o negócio da dona da usina com a norte-americana não era suficientemente forte para dar novo prazo para a construção. A Bolognesi recorreu da decisão e até o fechamento desta edição, a Aneel ainda não havia decidido sobre o projeto. Essa indefinição da Aneel, no entanto, pode ser considerada um sinal positivo para a usina. O sócio-diretor da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, ressaltou que o fato da agência ainda não ter dado uma posição definitiva, pode ser entendido como uma probabilidade dela rever sua decisão.
Moreira aponta ainda que soma-se a isso o esforço que vem sendo feito pelo governo do Rio Grande do Sul para viabilizar a térmica, diante da necessidade do estado de contar com um abastecimento de gás independente do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol) – hoje sua única fonte de insumo.
Com a térmica, os gaúchos passam a ter também o terminal de regaseificação de GNL que abastecerá a usina e pode enviar o excedente de gás para uso no mercado interno estadual. “Hoje o Rio Grande do Sul é bastante limitado pela capacidade do gasoduto, que não é barato expandir”, avaliou Moreira, da Gas Energy.
Em janeiro, representantes do Palácio Piratini reuniram-se com a diretoria da Aneel para tentar encontrar uma solução para o problema. O secretário-chefe da Casa Civil estadual, Fábio Branco, e o prefeito do município de
mesmo nome da usina, Alexandre Lindenmeyer, tentaram convencer a agência reguladora sobre a urgência de viabilizá-la.
O projeto prevê geração suficiente para atender a um terço da energia consumida pelo Rio Grande do Sul e tem investimento avaliado em R$ 3 bilhões.
Outro projeto que tenta se viabilizar, mas que enfrenta resistências desde o ano passado é o da Gastrading em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, do projeto Verde Atlântico Energias. No ano passado, a empresa havia anunciado o projeto com um investimento de R$ 5,5 bilhões, atrelado a um terminal de GNL. Na época, o presidente da empresa, Alexandre Chiofetti, havia declarado que o gás que chegaria pelo terminal – cuja capacidade de regaseificação é de 20 milhões de m³/dia – poderia ter seu excedente enviado para o abastecimento da malha de gás da região.
A Gastrading tinha o objetivo de obter o licenciamento ambiental até o fim do ano passado, mas o principal entrave vem da Câmara de Vereadores de Peruíbe, que aprovou no fim de janeiro uma emenda à Lei Orgânica do município proibindo a construção de empreendimentos capazes de provocar chuva ácida sobre a cidade. Na prática, a medida veta a construção da termelétrica à gás natural de 1,7 GW.
Estratégia ajuda
No último leilão A-6, no ano passado, o governo federal lançou mão de uma inovação: estabeleceu inflexibilidade de 50% ao longo do ano para os projetos térmicos a gás. Isso permitiu à Prumo Logística e à Vale Azul Energia criarem novas estratégias para obedecer ao valor mínimo e ainda vender a energia por preços competitivos.
Outro sinal da maior inserção das térmicas a gás na matriz foi dado pelo governo no fim do ano passado. Definiu, em portaria, que não estarão aptas a participar do leilão A-4 deste ano, que ocorre neste mês, usinas cujo custo variável unitário (CVU) seja superior a R$ 280/MWh. Na prática, isso abre espaço para térmicas a gás natural com custo de combustível até esse valor.
A Prumo, aliás, salvou um projeto que estava prestes a capitular. É o caso da Novo Tempo, que era do grupo Bolognesi, cuja outorga foi adquirida pela proprietária do complexo portuário Porto do Açu, em São João
da Barra (RJ). A usina deixou de ser construída em Pernambuco e passou a compor o parque térmico da companhia, como parte dos planos de instalar um hub de térmicas a gás natural, com capacidade de 6,4 GW (leia na edição 447 – Fev/18).
A Novo Tempo, agora batizada de GNA II, negociou contratos de energia no leilão A-5 de 2011, mas antes de ser vendida ao novo dono, enfrentou diversos atrasos e gerou incertezas para o mercado de energia.
Abraget: todos os projetos têm atrasos
O presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho, comentou que hoje o fator de usinas em atraso no país – considerando todas as fontes – chega a 30% do total da carteira de geração, mas diz que as térmicas a gás são as menos atrasadas.
Xisto alinha as dificuldades de financiamento como um dos problemas para tirar os projetos do papel, lembrando que o BNDES passou a priorizar usinas renováveis, entre outros considerados ambientalmente mais sustentáveis.
Outro obstáculo enfrentado pelos agentes é o casamento com a infraestrutura, principalmente com relação à transmissão. Isso porque se as linhas não entrarem em operação na data prevista – coincidindo com o início da operação comercial da usina – a termelétrica não terá como escoar a energia vendida em leilão. Com isso, projetos de grande porte – a partir de 1.500 MW de capacidade instalada – acabam esbarrando nesse entrave. Usinas menores já não têm a mesma dificuldade porque o montante a ser entregue é menor.
“A maioria dos projetos está equacionada”, afirmou. Do ponto de vista do combustível, Vieira acrescenta que o gás do pré-sal será preponderante para viabilizar novas térmicas, tornando-se um dos grandes vetores de geração a gás. Porém, ainda existem dúvidas sobre o cronograma da exploração e produção do gás da nova fronteira petrolífera.
Já existe, porém, um projeto térmico que vendeu energia no último leilão A-6, em dezembro, ancorado no insumo do pré-sal.
Trata-se da térmica Vale Azul II, a ser suprida exclusivamente pela Shell, integrante do consórcio da usina e que tem a geração térmica como um dos pilares para a monetização do gás do pré-sal. O gerente de Oléo, Gás e Química da ABB Brasil, Welington Cintra, vai na mesma linha de pensamento do presidente da Abraget ao repetir um mantra que já se tornou comum: o destino para o gás do pré-sal é crucial para as petroleiras que precisam produzir petróleo e tem limites para queimar ou injetar gás.
Além desse cenário, o executivo enxerga uma conjuntura favorável, formada por mais empresas atuando no setor de petróleo e gás, realizando explorações ao lado da Petrobras e demanda crescente de gás. “Em minha visão, haverá uma demanda crescente porque temos um mercado bastante atrativo para os investidores em petróleo e gás”, avaliou.
Cintra vai mais longe. Na sua visão, o gás do pré-sal chegará à costa a preços competitivos, como demonstra a disposição da Shell em investir na Vale Azul e em duas outras térmicas previstas nos planos da petroleira.
O presidente da Shell, André Araújo, disse que a empresa avalia a inclusão de novos projetos de termelétricas em leilões de energia, entre outras opções, dentro do escopo de monetização do gás natural. Para o executivo, o gás natural terá papel relevante no processo de transição da matriz energética, em direção às fontes renováveis.
“O que nós entendemos é que estamos chegando à realidade de concretizarmos os projetos [ligados à monetização do gás natural]”, afirma Araújo. Na visão de Cintra, a barreira para esse novo cenário, de inserção de mais térmicas no mercado brasileiro, está no escoamento da energia. Ele cita como exemplo a situação no norte fluminense, onde há a necessidade de construir linhas de transmissão mais robustas ligando aquela região à Vitória, no Espírito Santo, para dar destino à energia produzida.
No Paraná, a Copel e a Shell assinaram um acordo para viabilizar um parque térmico inserido no plano de expansão da oferta de gás natural do estado. Estão contempladas no pacote, três novas térmicas: Litoral, Sul e Usina Elétrica a Gás de Araucária 2 (UEGA 2). Os empreendimentos totalizam um potencial de geração de 1.500 MW, o suficiente para abastecer aproximadamente 1,1 milhão de residências no estado.
Após a assinatura do acordo, ocorrida em outubro do ano passado, o próximo passo do projeto será desenvolver o modelo de negócios com análises técnicas e econômico-financeiras que atendam às demandas de crescimento
paranaense. A perspectiva é que os estudos das usinas sejam feitos ao longo de todo este ano e que elas possam participar de leilões de geração do governo no próximo ano.
Novos arranjos
As termelétricas podem se tornar mais atraentes graças aos novos arranjos técnico-comerciais encontrados pelos empreendedores. O assessor da presidência da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Rafael Ferreira, disse que, além da concepção de projetos que permita um CVU mais baixo, há também a provisão de capacidade de atendimento de demanda máxima do sistema, que permite à térmica garantir balanço de oferta e demanda diante do cenário hidrológico, a médio e longo prazo, e à variabilidade de curto prazo das usinas eólicas e solares.
Porém, sempre existem problemas. O executivo disse que o órgão planejador tem se preparado para evitar que dificuldades como as que ocorreram com as termelétricas do grupo Bolognesi ocorram novamente. Citou que a
EPE tem feito, além da habilitação técnica dos candidatos, o desenho de penalidades, o monitoramento da implantação efetiva dos projetos, a aplicação de medidas contratuais relativas ao descumprimento das obrigações, entre outros.
“A EPE e outras instituições do setor atuam em conjunto sobre todos estes processos, buscando sua coesão e melhoria contínua”, avalia Ferreira. No que diz respeito à habilitação técnica, Ferreira deu como exemplo a inclusão de dois marcos no cronograma de monitoração da implantação do empreendimento – aqueles referentes ao
financial closuree à contratação do EPCista – que irá construir e realizar a manutenção da usina.
De acordo com ele, essas ações são suficientes para identificar problemas de implantação tão cedo quanto possível.
Mas a busca pelo equilíbrio permanece e é desafiador. Segundo ele é preciso desenvolver mecanismos fortes o suficiente para evitar falhas ou atraso na implantação, mas não tão severos a ponto de gerar barreiras significativas à participação de projetos em leilões de geração.
Portanto, o gás do pré-sal e as diretrizes propostas pelo governo, dentro do programa Gás para Crescer, podem representar para as térmicas com combustível mais barato o ponto de inflexão na viabilização desta fonte para gerar na base.
Fonte: Brasil Energia Online