Naturgy, grupo espanhol que controla as distribuidoras de gás canalizado CEG e CEG Rio, entrou com embargos contra as mudanças no marco regulatório do gás natural no Estado do Rio de Janeiro. Segundo a companhia, a revisão da regulação estadual “fere o acordo bilateral celebrado entre as concessionárias e o poder concedente”.
Em junho, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) aprovou regras mais atrativas para a migração de clientes do ambiente regulado para o livre, no Rio. A adoção de regulações mais favoráveis à abertura do mercado de gás vem sendo tratada pelo governo federal como contrapartida para acesso dos Estados ao Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), o chamado Plano Mansueto.
As novas regras – que dependem de um aditivo ao contrato de concessão da Naturgy – flexibilizam uma série de regras para os clientes livres, autoimportadores e autoprodutores de gás. Dentre as principais mudanças está a redução do volume mínimo exigido para que um usuário migre para o mercado livre, dos atuais 100 mil metros cúbicos diários para o equivalente a 10 mil m3/dia. Na prática, significa que mais indústrias estão aptas a migrar de ambiente.
A Agenersa propôs também novas regras para remuneração da Naturgy. A partir de agora, todos os clientes livres passam a pagar uma tarifa com descontos – relativos aos encargos de comercialização contidos na tarifa. Já aqueles usuários livres que sejam abastecidos por redes dedicadas, construídas especificamente para atender as suas instalações, pagarão às distribuidoras apenas as tarifas de operação e manutenção proporcionais aos investimentos que foram feitos no duto em questão. Antes, esse cliente pagaria uma tarifa cheia, como qualquer outro consumidor da rede. Assim, pequenos gasodutos construídos especificamente para atender aos consumidores livres tendem a pagar uma tarifa menor.
O órgão regulador fluminense também permitirá que um consumidor livre, autoimportador ou autoprodutor de gás possam construir seus próprias redes.
“A eventual fixação de tarifa específica para os comentados novos agentes ensejaria o aumento da tarifa de toda a base de clientes restantes, como medida indispensável à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão”, defende a Naturgy, no embargo declaratório apresentado à agência. O recurso ainda será avaliado pela Agenersa, no próximo dia 30.
O diretor de estratégia e mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça, disse que a nova regulação do Rio não é condizente com o contrato de concessão. “[A nova regulação] Cria um novo contrato. Criou mais confusão no mercado”, afirmou.
A Abegás, segundo ele, ainda aguarda a posição final da Agenersa sobre os embargos, mas vê nas mudanças propostas um risco de judicialização do tema. Para Mendonça, uma abertura radical do mercado de gás pode trazer impactos para o equilíbrio das concessões. Se a distribuidora perde margem, nas tarifas especiais para o consumidor livre, segundo ele, quem perde é o próprio mercado, já que sobem as margens para os demais clientes do mercado cativo – como residências e consumidores de gás natural veicular (GNV).
“O consumidor livre é o consumidor que adquire a própria molécula e contrata o serviço de distribuição. A gente é a favor do consumidor livre, que distribui minha exposição [da concessionária] no compromisso pela compra da molécula, mas qual será o impacto se ele [usuário livre] não pagar esse serviço de distribuição?”, contesta Mendonça.
A Abegás também questiona os sinais econômicos dados pelo pacote de medidas de abertura do mercado apresentadas pelo governo federal. Mendonça cita a mudança na metodologia de cálculo da tarifa de transporte para o modelo de entrada-saída, que consiste numa espécie de cobrança pelo direito de injeção e retirada do gás da rede de gasodutos por zonas geográficas e que, em certa medida, aproxima as tarifas dos custos associados ao transporte – encerrando a tarifa postal, parcela única para todos os consumidores.
Segundo Mendonça, a proposta tende a encarecer a tarifa de retirada naquelas regiões mais distantes do ponto de injeção do gás.
Com isso, a tendência é que os consumidores da região Sudeste, que abriga o maior mercado e é também o maior centro produtor de gás, paguem menos pelo gás – alimentando as desigualdades regionais.
“Isso cria um problema para trazer investimentos para outras localidades”, afirma Mendonça.
Fonte: Valor Econômico