Congresso passa a ter um papel decisivo para tornar o setor mais competitivo e dinâmico
O setor de gás natural do Brasil está em um processo único de desenvolvimento. As reservas do pré-sal, ainda pouco exploradas, oferecem um potencial gigantesco de crescimento para o setor. Porém, por falta de demanda firme e principalmente de infraestrutura, praticamente metade do gás retirado das profundezas do oceano atualmente é desperdiçada. O produto acaba sendo reinjetado nos poços de produção em vez de ser distribuído e processado em território nacional.
Apesar de desde o ano passado governo federal, a partir do Ministério de Minas e Energia, ter lançado o programa Novo Mercado do Gás, com o intuito de fazer finalmente deslanchar todas as possibilidades atreladas a essa importante fonte energética, muita coisa ainda precisa ser feita.
Uma discussão importante, como mostram alguns governadores brasileiros neste caderno especial, envolve a interiorização do gás canalizado. Pouquíssimos Estados, caso de São Paulo e Rio de Janeiro, estão realmente tirando grande proveito dessa matriz matriz energética ainda abundante.
Investimento privado em infraestrutura requer segurança jurídica e garantias de que as regras
do jogo não vão mudar no curto ou médio prazo. Sem um plano estruturado, poucos projetos,
como gasodutos e termelétricas a gás inflexíveis, sairão do papel.
Neste contexto, a discussão no Congresso Nacional ganha um peso crucial. O projeto de lei PL 6407/13, conhecido como a Nova Lei do Gás, não vai fazer com que o setor realmente passe a se beneficiar de todo o potencial que tem se ajustes não forem bem costurados, alertam especialistas, governadores e parlamentares que se debruçam sobre o tema.
Com as mudanças no projeto de lei, um robusto tripé pode se formar. Haverá, primeiro, uma lei efetivamente a favor do setor. Esse arcabouço legal somado às reservas no fundo do mar e ao fim do monopólio da Petrobras, como já está definido, formará os alicerces ideais para um sólido desenvolvimento econômico a partir do novo mercado de gás.
Governadores pedem ajustes no marco regulatório
O gás do pré-sal trouxe uma nova perspectiva ao setor no Brasil. Tradicional importador do recurso, o País poderá produzir tudo o que consome, além de sustentar o esperado aumento gradual da demanda interna. Por enquanto, contudo, o potencial das reservas comprovadas – quase 400 bilhões de metros cúbicos – não tem sido adequadamente explorado.
Como o mapa atual da utilização de gás no Brasil está concentrado na costa, os investimentos necessários incluem a construção de gasodutos para o interior do País, com a instalação de usinas térmicas a gás em pontos estratégicos desses percursos. Hoje, capitais como Brasília, Goiânia, São Luís, Teresina e Belém ainda não são abastecidas com gás natural, assim como cidades importantes do interior, a exemplo de Londrina e Uberlândia.
Para os líderes políticos desses Estados, o novo marco regulatório precisa garantir um ciclo de investimentos em infraestrutura que viabilize a chegada do gás natural a todo o território brasileiro. Seria uma forma de impulsionar não só a produção energética do País, mas também o desenvolvimento regional, a arrecadação de impostos e a geração de renda e de empregos.
“Esperamos que a Câmara faça os ajustes necessários no texto, garantindo usinas de geração térmica na base do sistema elétrico”, diz o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). Embora o Paraná já seja atendido por uma extensão do Gasbol, a capacidade de oferta ainda está muito aquém do potencial de demanda existente no Estado, avalia o governador.
“Temos especial interesse no desenvolvimento desse setor, não só pela geração de receitas diretas e indiretas para o Estado, mas para efetivar o chamado projeto de gasoduto Chimarrão, que vai tornar viável um aumento de oferta na Região Sul, atendendo grandes polos industriais como Londrina, Maringá, Cascavel e Toledo”, descreve.
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), lamenta que o Estado ainda não disponha de fornecimento de gás natural – e torce para que a situação comece a mudar com ajustes necessários no texto do PL. “Nossa expectativa é que o Congresso Nacional esteja sensível à necessidade de olhar para o País como um todo e votar um texto que proporcione desenvolvimento para os Estados, sem exceção”, diz o governador. “O gás do pré-sal e da região amazônica é uma riqueza cujos benefícios devem ser compartilhados com todos os brasileiros.”
O vice-governador do Maranhão, Carlos Brandão (Republicanos), endossa os apelos por ajustes no texto do PL que deixem mais claros os mecanismos para atrair investimentos. “Estamos certos de que a Câmara estará atenta à necessidade de melhorias no texto que tornem o gás natural mais acessível à população”, diz Brandão.
No Centro-Oeste, tanto o governo do Distrito Federal quanto o de Goiás também estão interessados no destravamento do mercado de gás natural. Dentro deste contexto, um dos projetos que pode ser viabilizado, a médio prazo, é um gasoduto de 904 km para levar gás natural para Brasília. A obra seria uma ramificação do gasoduto Brasil-Bolívia a partir do interior de São Paulo. Na vizinha Goiás, o interesse está voltado para aumentar a competitividade do setor privado. “Além do agronegócio, a mineração do nosso Estado também seria muito beneficiada pelo uso do gás natural”, diz Ronaldo Caiado, governador de Goiás.
Segurança jurídica
Além das questões energéticas e econômicas, os aspectos jurídicos também preocupam. “São contratos de longa duração, que exigem investimentos altos. Essas circunstâncias reforçam a importância da criação de mecanismos para se reduzir os riscos de judicialização”, analisa o presidente da Comissão de Energia da OAB, Gustavo De Marchi.
Para o secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, Marcos Penido, o setor precisa continuar se desenvolvendo. “As usinas termelétricas funcionarão para o setor de gás como funcionam as grandes lojas para os shoppings centers. Serão a grande âncora, por exemplo, para o consumo residencial e a interiorização”, diz.
Aumentar a participação do gás natural na matriz energética brasileira é visto pelos especialistas como um passo importante para dar maior estabilidade e segurança ao sistema nacional.
Seria um contraponto à crescente participação das fontes intermitentes, que dependem de fatores variáveis, a exemplo da força dos ventos, da energia solar e da vazão dos rios. “Uma das consequências da maior estabilidade seria reduzir o índice de volatilidade do preço da energia no Brasil”, avalia Efrain Cruz, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Cruz considera essencial levar em conta a experiência acumulada pelo setor de energia elétrica para planejar a evolução do mercado de gás no País – uma sinergia que deve incluir até o aproveitamento da infraestrutura.
“O traçado das linhas de transmissão já existentes pode servir como base para a distribuição do gás”, sugere o diretor da Aneel. “Essas linhas já têm as faixas de servidão licenciadas, o que resolve uma das grandes dificuldades para que novos projetos de gasodutos permeiem o Brasil: as questões ambientais e os custos de desapropriação”.
O potencial de expansão do gás natural no País é imenso: aproximadamente 4% da população tem acesso a gás encanado, ante um alcance de 98% da energia elétrica. “A ampla disseminação da energia elétrica no Brasil não ocorreu da noite para o dia. Foi preciso planejar e investir, algo que precisa ser feito agora com o gás natural”, ressalta Adriano Pires, do CBIE.
Para que o aumento da produção nacional de gás se viabilize, é preciso ter demanda firme. Como 80% do gás brasileiro é extraído junto com o petróleo, grande parte vem sendo reinjetada nos poços, sem a perspectiva de aproveitamento futuro.
A estratégia vem sendo comparada à de quem guarda dinheiro embaixo do colchão – quanto mais o tempo passa, menos a reserva valerá. “Há uma janela de oportunidade para o melhor aproveitamento econômico do gás natural”, diz Pires. “Trata-se do último combustível fóssil a ser amplamente utilizado no planeta antes da transição completa para uma matriz 100% renovável e limpa. Por isso, não há tempo a perder”.
Setor de gás ganha impulso com fim do monopólio
Havia anos o gás natural estava em segundo plano na política energética nacional. Desde o ano passado, entretanto, o programa Novo Mercado de Gás, do governo federal, tem como objetivo ampliar a competição no setor, estimular o investimento privado em infraestrutura. Hoje, ele representa apenas 13% da matriz energética nacional.
Na avaliação do economista Adriano Pires, diretor do CBIE, há dois fatores em curso que podem estimular o setor. “A exploração das reservas de gás descobertas no pré-sal pode dobrar a produção nacional em dez anos”, diz Pires. “O segundo fator de estímulo foi a revisão, no atual governo, do monopólio vertical da Petrobras, de importação, produção, transporte e distribuição do gás natural, que representava uma trava para investimentos e expansão da rede”, diz. O volume de investimentos em infraestrutura para explorar o gás natural apenas do pré-sal pode chegar a R$ 200 bilhões, segundo estimativas do CBIE.
O fim do monopólio da Petrobras no setor de gás, previsto pelo programa do governo, foi referendado pelo termo de ajustamento de conduta (TCC) firmado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a estatal. Pelo TCC, a Petrobras se comprometeu a vender ativos de transporte e de distribuição de gás natural e a arrendar o Terminal de Regaseificação de GNL da Bahia (TR-BA).
Outro avanço recente foi a entrada em cena do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com um diagnóstico do setor e propostas para fomentar investimentos. O estudo “Gás para o Desenvolvimento” conclui que os grandes gargalos do setor estão na infraestrutura de escoamento, transporte e distribuição. Quase metade da extração de gás natural no pré-sal, feita junto com a de petróleo, é reinjetada no poço porque não há garantia de demanda.
Projeto de lei desajustado
Com a votação do substitutivo do Projeto de Lei 6407/13, prevista para ocorrer nesta terça-feira (25), o Brasil ganha uma janela de oportunidade para dar fim ao desperdício. Chamado de Nova Lei do Gás, o substitutivo tem a virtude de mudar o marco regulatório do setor. O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem afirmado que o PL está “integralmente alinhado com as propostas do Novo Mercado de Gás”. Segundo ele, o texto “reflete o consenso no setor, consolida boas práticas regulatórias e traz segurança jurídica”. O relator da Lei do Gás, deputado Laercio Oliveira (PP/SE), pretende votar em plenário o mesmo texto aprovado na Comissão de Minas e Energia no fim do ano passado, ou seja, sem emendas.
Embora o projeto tenha apoio de vários elos da cadeia, o texto é visto com reservas pelo setor de dis tribuição, por lideranças políticas e especialistas. Para eles, o texto não oferece plena segurança jurídica ao capital privado e não tem mecanismos que evitem a judicialização. “O PL é tímido e foi elaborado antes da pandemia”, adverte Pires, do CBIE. “Com a crise, haverá maior disputa por investimentos de infraestrutura e o texto não ajuda. O PL não delimita fronteira entre regulação federal e estadual, o que pode inibir os investidores.”
O deputado federal Elmar Nascimento (DEM-BA) endossou as críticas ao PL. “O texto poderia ser mais ambicioso, estabelecendo a universalização do gás natural como um objetivo a ser alcançado”, diz. O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) também defende ajustes no projeto de lei. “A instalação de usinas térmicas a gás no interior, próximas dos locais de consumo, é uma proposta que deve ser avaliada para que os projetos de infraestrutura saiam do papel.”
Para Adriano Pires, o Congresso Nacional precisa ter uma visão do País. “O marco regulatório que o PL traz tem 50 artigos. Basta mudar dois e incluir a térmica inflexível na base energética”, diz. “Não é momento de antagonismo, mas de convergência”.
Estímulo ao consumo vai evitar o desperdício
O futuro do mercado de gás no Brasil depende da exploração do pré-sal, que representa 85% do total das reservas. O drama é que a extração desse gás é associada à do petróleo e, por razões econômicas, cerca de 45% do que é extraído tem sido reinjetado nos poços. Sem acesso a infraestrutura suficiente para escoar, tratar e transportar o gás, produtores privados exploram apenas o petróleo – o que faz com que Estados e municípios não recebam royalties.
A saída para evitar o desperdício é estruturar âncoras que garantam o consumo. “A solução é criar demandas industrial, termelétrica na base, comercial, residencial e veicular para extrair esse gás do pré-sal e levá-lo para o interior”, diz Fabio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas do BNDES.
Adriano Pires, do CBIE, afirma que a integração do gás natural do pré- -sal com o setor elétrico é uma saída inteligente. “Nossa matriz elétrica é calcada em fontes intermitentes: as hidrelétricas são a fio d’água, só geram energia quando chove; as usinas eólicas, quando venta; as solares, com céu claro”, diz. Por isso, para o economista, as termoelétricas inflexíveis, movidas a gás natural, funcionariam como uma espécie de bateria virtual para o sistema elétrico.
Fonte: O Estado de S.Paulo / especial “O potencial inexplorado do gás”
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