Em artigo publicado no portal da Folha, o presidente da Comissão de Energia do Conselho Federal da OAB, Gustavo De Marchi, afirma que a segurança jurídica é um dos principais pilares da economia mundial. Grosso modo, fundos globais vivem de precificar a percepção de risco. É assim que guiam os seus investimentos, e é essa visão o que ancora as expectativas dos investidores e delimita o ambiente de negócios.
A segurança jurídica é um dos principais pilares da economia mundial. Grosso modo, fundos globais vivem de precificar a percepção de risco. É assim que guiam os seus investimentos, e é essa visão o que ancora as expectativas dos investidores e delimita o ambiente de negócios.
Num mundo que ainda sente os severos efeitos da pandemia, a concorrência por investimentos diretos estrangeiros se intensificará, visto ser a obtenção destes recursos uma das mais efetivas formas de acelerar o tão necessário crescimento da economia, devastada pela atual crise sanitária.
Para viabilizar o enorme potencial que o Brasil tem no setor de gás natural, tanto para a exploração quanto para a utilização desse insumo estratégico, serão necessários investimentos bilionários para a criação de uma infraestrutura de escoamento do gás do pré-sal. Recursos estes que virão ao país se houver segurança jurídica, previsibilidade e respeito a contratos.
Por isso, a criação de um marco legal estável é essencial para que possamos evitar a judicialização de suas disposições, o que permitirá o estabelecimento de um ambiente adequado para atração de investimentos privados para o setor.
Nesse contexto, é importante registrar o caráter meritório de boa parte do texto do PL 6407/13, a chamada Nova Lei do Gás, aprovada na Câmara dos Deputados, e atualmente em tramitação no Senado, que traz avanços importantes para o desenvolvimento do mercado de gás no país. No entanto, a redação atual de alguns dispositivos merece atenção especial, pois não deixa suficientemente clara a delimitação de competências dos agentes, e essa dubiedade deve aumentar a já existente judicialização do setor, o que iria na contramão da finalidade do próprio projeto de lei, que seria a atração de investimentos.
É o caso do seu artigo 7º, que atribui ao órgão regulador federal, a ANP, a permissão para categorizar gasodutos de distribuição como gasodutos de transporte. Tal dispositivo como está concede amplo poder discricionário para a ANP classificar (ou reclassificar) gasodutos, fato que cria insegurança jurídica para investimentos em infraestrutura no setor de gás em geral. Isso inclui o risco de reclassificação de gasodutos de distribuição, representando uma invasão na competência dos estados.
Indispensável esclarecer que, no mercado de gás, de modo distinto ao de energia elétrica, a Constituição Federal, promulgada em 1988, garantiu uma divisão de competências entre as esferas federal e estadual. No que tange à competência da União, o artigo 177 do texto constitucional prevê seu monopólio regulatório para a exploração, importação e o transporte de gás natural; e, em paralelo, prevê também a competência estadual para regular a exploração dos serviços de gás canalizado, nos termos do previsto no artigo 25, parágrafo 2º.
Ou seja, o governo federal só regula da produção até o “city gate” (ponto em que a custódia do gás passa para as distribuidoras), enquanto cabe aos estados a própria regulação para o segmento de distribuição e comercialização.
Todavia, ainda que o espectro de competência dos estados seja protegido pela Constituição Federal, essa fronteira tem causado embates judiciais, a pretexto de existir vácuos legais e regulatórios quanto ao tema. Desse modo, é saudável que a Nova Lei do Gás seja absolutamente precisa, visando evitar discussões no âmbito do Judiciário ou das agências reguladoras. É fundamental que o seu texto deixe explícito a necessária observância da competência estadual na distribuição de gás canalizado, conforme estabelecido constitucionalmente. Isso certamente evitará disputas judiciais entre governos estaduais e o governo federal sobre jurisdição.
Constata-se, portanto, a necessidade de se observar o regime constitucional diretamente direcionado para a prestação de serviços públicos nas diferentes esferas de competência. Assim, sob a perspectiva do direito, um serviço público estadual não pode embaraçar um serviço público federal e vice-versa. Há de haver um ponto de equilíbrio em prol do que chamamos de “harmonia federativa”.
Ainda que o projeto de lei traga avanços, a cautela recomenda um olhar mais atento dos parlamentares. O Congresso recentemente elaborou uma oportuna solução para a questão da judicialização do GSF (medida de risco hidrológico), que travou o setor elétrico por cinco anos. Em um trabalho muito bem feito, construíram um projeto consensual que culminou com a lei nº 14.052/2020, semeando um ambiente saudável para o setor e criando as condições para desbloquear na esfera judicial mais de R$ 8 bilhões, recursos que poderiam estar gerando renda e empregos nesse período recessivo.
Desse modo, seria um contrassenso, depois de um trabalho brilhante do Congresso, referendar sem modificações uma proposta de marco legal que certamente abrirá a porta para afugentar os investimentos de que o país tanto precisa nesse momento durante e pós-pandemia.
Com certeza, o Senado Federal terá a sensibilidade de examinar todas essas ponderações, mitigando riscos da indesejável judicialização e estimulando o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil, ao ampliar o seu uso de forma segura, sustentável e competitiva para toda sociedade.
Fonte: Folha.com / Tendência e Debates
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