Passo importante para a abertura do mercado brasileiro de gás natural, o arrendamento do terminal de gás natural liquefeito (GNL) da Petrobras na Bahia sofreu um revés esta semana e entrará em compasso de espera. A Golar Power (Hygo Energy) foi a única empresa a apresentar uma proposta comercial, mas foi, ao fim da licitação, desclassificada.
A falta de concorrência por um ativo-chave para a entrada de novos atores no setor deixa uma mensagem clara sobre o quanto a abertura do gás é um processo complexo que depende de um elevado grau de coordenação e não ocorre de forma imediata.
Ao todo, dez grupos diferentes se habilitaram para o arrendamento do terminal: BP, Shell, Total, Repsol, Golar, Excelerate, Naturgy, Compass, Eneva e Bahiagás. Ao fim, no dia da concorrência, na quarta-feira (30), apenas a Golar Power apresentou uma proposta comercial pelo ativo. A BP pediu a postergação da abertura de propostas comerciais para sanar pendências e informou que sua proposta não seria vinculante. A Compass declinou da apresentação da proposta comercial.
A proposta da Golar foi desclassificada em meio à deflagração, na semana passada, da 75ª fase da “Operação Lava-Jato”, que colocou no alvo das investigações o presidente da empresa, Eduardo Antonello, por suspeitas de corrupção nos tempos em que ele atuava na Seadrill, em contratos com a Petrobras.
Antonello se afastou do cargo na Golar para se dedicar à sua defesa. A Petrobras, contudo, reviu o Grau de Risco de Integridade (GRI) da Golar para alto e desclassificou a companhia do processo.
A licitação entra, agora, em fase recursal. Caso a concorrência seja encerrada sem propostas válidas, a estatal abrirá uma nova licitação.
A Golar Power alega, em sua defesa, que as investigações não têm nenhuma conexão com suas atividades e são relativas a condutas anteriores ao trabalho de Antonello na empresa. A companhia vive um momento turbulento em meio à suspensão do seu processo de abertura de capital nos Estados Unidos. A companhia corre o risco, ainda, de sofrer ações coletivas de investidores nos EUA.
Joint venture entre a norueguesa Golar LNG e o fundo americano Stonepeak, a Golar Power é uma das empresas mais ativas no processo de abertura do mercado de gás, já possui um terminal de GNL no Sergipe e consolidaria uma posição privilegiada, sem grandes concorrentes imediatos no Nordeste, a exceção da própria Petrobras e pequenos produtores terrestres.
Quem arrematar o terminal baiano terá condições de entrar no mercado com cargas importadas de gás, num momento em que os preços da commodity estão baixos. O contrato de aluguel da unidade é válido até o fim de 2023.
A planta de regaseificação será a primeira do tipo a ser operada pela iniciativa privada em condições de injetar gás na malha de gasodutos — as unidades da Celse (Golar/ EBrasil Energia), no Sergipe, e da GNA (Prumo Logística / Siemens / BP), no Porto do Açu (RJ), não estão conectadas ao sistema.
Na avaliação do presidente da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, o insucesso da licitação do terminal da Bahia é reflexo da falta de previsibilidade sobre quando, de fato, as transportadoras TAG e NTS vão promover as chamadas públicas para contratação das capacidades de seus gasodutos. Sem isso, o novo operador da planta de regaseificação não terá como acessar a malha nacional de gasodutos e levar o gás para mercados mais distantes.
Caso emblemático
“A ausência de acesso amplo e previsível, firme e imediato aos sistemas de transporte certamente prejudicou muito a avaliação da oportunidade por todos os outros habilitados. Se considerado que o arrendamento se dará por três anos e o acesso ‘universalizado’ ainda não conta com horizonte claro, a percepção de risco fica, naturalmente, muito elevada. Pode acontecer a mesma coisa com a abertura da infraestrutura de escoamento e processamento. Sem acesso a transporte, poderemos ficar na mesma. O caso do terminal da Bahia é emblemático e deveria ensinar. Tomara que tenha dado a mensagem suficientemente clara sobre a necessidade desse processo [de contratação de capacidade dos gasodutos] ser mais ágil e transparente”, comentou.
Esta semana, a Petrobras assinou contratos com a Shell, Petrogal e Repsol Sinopec, para compartilhamento das infraestruturas de escoamento e processamento do pré-sal. Com a falta de previsibilidade sobre as chamadas públicas da TAG e NTS e devido à pendência ainda no tratamento tributário do serviço de processamento, ainda não há expectativas de que o acesso às unidades de processamento (UPGNs) se concretize a curto prazo.
Para Moreira Neto, por já ter uma estratégia estruturada de comercialização de GNL via caminhões, a Golar estava posicionada para explorar o terminal de forma imediata. “A Golar já está no negócio de GNL de pequena escala, o que, teoricamente, a permitiria explorar mais rapidamente e em maior escala o terminal, já que não haveria dependência exclusiva dos gasodutos de transporte para comercializar o GNL em diferentes mercados”, afirmou.
O gerente de gás da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Adrianno Lorenzon, lamenta o resultado da concorrência.
Segundo ele, havia entre os consumidores industriais a expectativa de que em 2021 já seria possível a migração para o mercado livre de gás. “Mas, agora, não haverá tempo hábil”, disse o especialista, que comenta também sobre a falta de concorrência no processo. “Isso é consequência da falta de acesso ao transporte, que limita o mercado do terminal”, completou.
De acordo com um executivo de uma empresa que tenta viabilizar o mercado livre, o alvo se volta, agora, para tentar importações via Bolívia, já que a transportadora responsável pelo gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), a TBG, está com processo de contratação de capacidade aberto. Diante da proximidade com as eleições bolivianas, contudo, as negociações com produtores locais estão em ritmo lento.
A Golar Power emitiu nota, nesta sexta-feira (02), refutando de “forma veemente” a decisão da Petrobras de desclassificá-la do processo de licitação para arrendamento do terminal de gás natural liquefeito (GNL) da Bahia — a empresa apresentou a única proposta comercial pelo aluguel do ativo, no valor de mais R$ 130 milhões segundo a proponente.
A Golar alega que não é objeto de nenhuma investigação ou inquérito criminal e esclarece que não possui nenhuma relação, participação ou envolvimento nas alegações públicas divulgadas sobre as supostas irregularidades cometidas por Antonello.
“A Petrobras erra ao relacionar o grupo Golar Power à investigação, o que causou e vem causando danos ao grupo Golar Power”, esclarece a empresa, em nota.
Ainda segundo a Golar, os “pretensos fatos e alegações atribuídos ao executivo afastado ocorreram em 2010, seis anos antes da própria criação da Golar Power por um fundo de investimento norte-americano [Stonepeak] e uma empresa norueguesa [Golar LNG], ambos com elevado padrão de diligência contra a corrupção”.
A companhia destaca ainda que, assim que tomou ciência da existência da investigação, iniciou, de forma proativa e imediata, um processo de apuração independente e aceitou o pedido de afastamento do executivo.
A Golar Power comunicou que mantém seu compromisso com o investimento proposto na licitação.
Fonte: Valor Online
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