Dez anos depois de ter sido criado no papel, o mercado livre de gás natural de São Paulo finalmente ganha impulso. A empresa química Rhodia, segunda maior consumidora industrial de gás do Estado, acaba de fechar um pré-contrato de fornecimento do insumo com a comercializadora da Compass Gás e Energia, do grupo Cosan.
Pioneira, a parceria se iniciará em 2023 e foi viabilizada pelo projeto da Compass de erguer um terminal de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) no Porto de Santos (SP). O empreendimento, que já está em construção, representa uma nova opção de acesso ao gás do mercado internacional. O suprimento de GNL será feito pela francesa Total.
Ao Valor, executivos das companhias explicaram que esse é o primeiro acordo do país nos moldes do mercado livre, entre dois agentes privados, e ressaltaram o ganho de competitividade que ele trará às unidades da Rhodia em Paulínia (SP) e Santo André (SP), altamente dependentes do gás tanto como matéria-prima, como fonte de energia.
“Vimos que a Compass, com esse investimento [no terminal de GNL], seria um parceiro importante para finalmente entrarmos no mercado livre e termos acesso a gás de diferentes origens de forma mais competitiva”, afirma Daniela Manique, presidente para a América Latina do grupo belga Solvay, que controla a Rhodia. “Estamos colocando a pedra fundamental num mercado que queremos que cresça e tenha mais ‘players’”, acrescenta Sergio Silva, CEO da Compass Comercialização.
Segundo os executivos, as negociações envolvem um modelo “ganha-ganha”, com flexibilidade no suprimento. O contrato poderá atender até 100% do consumo de gás da Rhodia no país. A empresa não revela volumes exatos. Outra vantagem é a possibilidade de indexação dos preços a diferentes indicadores – Brent, Henry Hub, índices regionais como TTF e JKM -, ou uma combinação que faça mais sentido para as duas partes.
“Esse pré-contrato nos ajuda a alcançar o mesmo patamar dos nossos competidores. Nossa produção hoje, que soma 1,2 milhão de toneladas de químicos, concorre com os grandes ‘players’ internacionais. Em termos industriais, já estamos no estado da arte, mas precisamos da flexibilidade e acesso a diferentes modelos de precificação [do gás], assim como nossos competidores têm”, diz Daniela.
Como alguns pontos do contrato seguem em aberto, a executiva da Rhodia não crava uma redução exata de custos. “Ainda não é a redução de preços da ordem de grandeza que nós gostaríamos. Primeiro porque tem o horizonte de 2023, de entender como estará a precificação até lá. E ainda não conseguimos trazer a competitividade para todos os elos da cadeia do gás. Mas hoje qualquer diferença de centavo de dólar na molécula é importante para a gente”.
De toda forma, o ganho vislumbrado já permitirá que a Rhodia possa elevar o patamar de investimentos no Brasil a partir de 2023, o que era uma promessa da companhia para quando sua entrada no mercado livre de gás se concretizasse. Para este ano, estão previstos R$ 150 milhões em projetos estratégicos.
Do lado da Compass, a companhia anunciou ontem o início das obras do terminal paulista de GNL, projeto que começou a ser idealizado em 2015 e ganhou corpo no ano passado.
Com investimentos de R$ 700 milhões, o empreendimento terá capacidade de regaseificação de 14 milhões de m³ ao dia e capacidade de armazenamento de 173 mil m³ de GNL. Pensada para atender clientes do país todo, a infraestrutura deverá estar pronta no primeiro semestre de 2023 e se ligará à rede de distribuição da Comgás, também controlada pela Compass.
A Rhodia continuará vinculada à Comgás, de quem recebe hoje o gás, após o início do novo fornecimento. Porém, terá com a distribuidora um contrato diferenciado, que prevê apenas a prestação dos serviços de distribuição. “O terminal traz mais uma alternativa de suprimento para as próprias distribuidoras, elas são clientes potenciais dos comercializadores. As distribuidoras são grandes incentivadoras do desenvolvimento do mercado livre de gás, porque ele cria ‘players’ e traz liquidez”, afirma Silva.
Na prática, Compass e Rhodia já têm condições de implementar a parceria a partir de 2023, mas as empresas advogam por avanços regulatórios para permitir que o mercado livre de gás tenha maior abrangência em todo o país. Elas pedem, por exemplo, clareza e transparência das condições de acesso da capacidade nos gasodutos de transporte, além do avanço da regulação em Estados onde a agenda do mercado livre ainda não deslanchou.
Para além da nova parceria, a comercializadora da Compass continua trabalhando para construir um portfólio de suprimento diversificado, com gás do pré-sal e da Bolívia. Se novas negociações avançarem antes da entrada em operação do terminal de GNL, o fornecimento à Rhodia pode ser antecipado.
Do lado da demanda, Silva afirma que a Compass já tem uma longa lista de potenciais clientes, como indústrias e distribuidoras, com conversas avançadas. “Esperamos que nos próximos meses novos pré-contratos sejam assinados, a roda começa a girar”.
Fonte: Valor Econômico
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