A vinhaça, um resíduo da produção de etanol de cana, já é utilizada amplamente no setor como fertilizante, mas ainda são raros os casos em que ela é usada para a produção de biogás para gerar eletricidade ou ainda transformado em biometano para mover veículos. Agora, mais uma iniciativa amplia a lista de exceções.
Neste mês, a Adecoagro – que possui atuação diversificada no agronegócio na América Latina, faturou US$ 822 milhões no ano passado e é listada na bolsa de Nova York – começará a injetar em alguns veículos o biometano produzido em sua planta de biogás. A empresa já está estudando novos passos, como expansão de capacidade e produção de hidrogênio “verde” a partir do biogás.
A unidade de biogás está localizada junto à usina de Ivinhema, no cluster da Adecoagro em Mato Grosso do Sul, que inclui outra usina em Angélica. As duas plantas têm capacidade para moer 13 milhões de toneladas de cana por safra e produzir 660 milhões de litros de etanol, mas não operam em plena capacidade.
A unidade em Ivinhema opera desde 2018 reunindo os resíduos dessa produção em biodigestores e daí extrai o biogás. Ele é usado para aquecer a água das turbinas de sua planta de cogeração de energia, ampliando a capacidade de entrega de eletricidade ao mercado em 6 mil megawatts-hora (MWh) por ano.
Agora, após um investimento de R$ 30 milhões, o biogás também pode ser purificado e transformado em biometano comprimido. Três caminhões, sete veículos leves e três utilitários da companhia já passaram pela conversão para GNV e consumirão o biometano produzido na unidade.
O aporte foi compartilhado com as empresas Galileo Technologies e Methanun, que fornecem as tecnologias de transformação de resíduos em biometano, e contou com apoio da GEF Biogás Brasil, iniciativa liderada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e implementada pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).
A conversão de motores começou a ser feita em veículos com menor presença na área agrícola, mas Renato Junqueira, vice-presidente de Açúcar, Etanol e Energia da Adecoagro, diz que a companhia quer avançar na conversão dos motores dos caminhões de transporte de cana nas lavouras, onde o abastecimento é mais desafiador.
O uso do biogás como combustível para frotas agrícolas é considerado por alguns agentes um uso mais “nobre” do que para a geração de energia, já que o biometano, ao substituir o diesel, reduz uma linha relevante de custo das usinas e ainda retira uma das mais importantes fontes de emissões de carbono da atividade.
O consumo do biometano no país, porém, ainda é limitada pela baixa oferta de maquinário adequado. Atualmente, apenas a Scania produz no Brasil caminhões com motor de fábrica que rodam com o gás. A Iveco também vende caminhões com motores a gás de fábrica, mas são importados.
Também é possível fazer conversão de motores, como está fazendo a Adecoagro, mas, nesses casos, o biometano só substitui em geral 40% do consumo de diesel do veículo, segundo Alessandro Gardemann, presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás).
A capacidade instalada em Ivinhema já permite que 5% da vinhaça resultante da destilação do etanol no cluster de Mato Grosso do Sul seja utilizada para produção de biogás. Com a purificação e compressão desse gás, a planta já conseguiria produzir, em um ano, biometano suficiente para substituir o consumo de 1,4 milhão de litros de diesel numa safra. Pelo preço atual do combustível em Mato Grosso do Sul, isso resultaria em uma economia de mais de R$ 6 milhões.
A produção da Adecoagro soma-se às já realizadas pela GeoEnergética e Coopcana em Tamboara (PR) e pela Cocal em Narandiba (SP). Atualmente, a produção de biogás no Brasil, incluindo a de usinas que usam outros tipos de resíduos, é de 300 mil metros cúbicos por dia, segundo a Abiogás.
A Adecoagro já avalia uma expansão do projeto para poder aproveitar toda a vinhaça concentrada que gera, o que demandaria um investimento de R$ 350 milhões. Outra opção, não excludente, é a aposta em uma tecnologia ainda mais disruptiva: a produção de hidrogênio a partir do biogás para uso como combustível. “Hoje, esse é um mercado pequeno, mas ele está crescendo muito e recebendo investimentos em todo o mundo”, afirma Osvaldo Del Campo, CEO da Galileo Technologies.
Fonte: Valor Econômico