A segurança energética do Brasil pode estar vulnerável no atual cenário de alta dos preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional, segundo especialistas. As cotações no mercado internacional tiveram forte aumento este ano, depois que a guerra na Ucrânia e as sanções à Rússia levaram a Europa a recorrer à importação de GNL para compensar a redução da dependência do gás russo. Isso leva o Brasil a precisar competir num mercado internacional mais acirrado pelas importações de GNL, segundo analistas.
Entre janeiro e maio de 2022, o Brasil importou em média 10,33 milhões de m3 /dia de GNL, de acordo com dados do boletim mensal do MME. Esse volume foi responsável por atender cerca de 15% da demanda total de gás do país no período.
No entanto, no ano passado, por exemplo, a dependência brasileira de GNL foi muito maior, por causa da crise hídrica, que reduziu a geração de energia elétrica nas hidrelétricas e levou ao acionamento de termelétricas. Em média, entre janeiro e dezembro de 2021, o Brasil importou 26,15 milhões de m3 /dia de GNL, o que correspondeu a 28% de toda a demanda de gás do país no ano.
Com isso, segundo analistas, caso o país passe por uma nova crise que demande o acionamento de termelétricas, estaria vulnerável a ter que disputar um GNL mais caro e escasso no mercado internacional, depois da crise na Europa.
“O mercado de gás internacional está de ponta cabeça com a guerra. Há disparada de preços e uma competição muito grande por ativos, principalmente os navios regaseificadores, os FSRU. Na Europa, por exemplo, vários países estão querendo contratar esses ativos, mas eles não existem em grande quantidade no mundo”, diz Juliana Senna, sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados.
Os preços médios do GNL este ano chegaram próximo aos US$ 50 por milhão de BTU (unidade térmica britânica), quase dez vezes mais que os vistos há uma década. “É importante que o Brasil tenha alternativas de suprimento nesse cenário”, afirma o consultor Eduardo Antonello, fundador da Golar Power e da Sunshine LNG.
De acordo com o diretor e sócio do CBIE Pedro Rodrigues, o cenário de preços altos de GNL no mundo não deve mudar pelo menos até 2025: “Não há grandes capacidades novas de terminais de exportação entrando em operação antes dessa data no mundo todo.”
Rodrigues destaca ainda que, historicamente, os maiores supridores de gás para o Brasil foram os Estados Unidos, mas que hoje as cargas americanas têm priorizado o atendimento à Europa. “Os Estados Unidos vão preferir atender à Europa, é uma questão de preço, pois os europeus estão pagando US$ 65 por milhão de BTU, enquanto o Brasil está pagando em média US$ 32 por milhão de BTU. Na ausência dos Estados Unidos, nosso maior supridor, vamos precisar ir mais longe e assim os contratos vão ser mais caros, por causa do frete. O GNL vem de navio, então quanto maior a distância, maior o custo”, afirma.
Antonello, da Golar Power, diz que o contexto se torna ainda mais crítico, uma vez que a outra fonte de gás importado para o Brasil, via Gasoduto Brasil-Bolívia, não deve ter grandes ampliações nos próximos anos. “Há grande incerteza sobre o gás boliviano, que, com menos investimentos, vem tendo uma redução na oferta”, aponta.
Na visão da Transportadora Brasileira do Gasoduto Brasil-Bolívia (TBG), entretanto, o contexto internacional pode trazer oportunidades para o mercado global, pois os preços mais altos podem estimular novos projetos, inclusive em países vizinhos ao Brasil, o que pode ampliar a disponibilidade do gás natural. A companhia tem intenção de ampliar a capacidade do trecho sul do gasoduto, nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com o objetivo de atender ao aumento da demanda.
No caso da oferta nacional, uma incerteza que agrava o cenário para a segurança energética é o atraso na entrada em operação do Rota 3, gasoduto que vai ligar o pré-sal da bacia de Santos ao Polo GasLub, antigo Comperj, em Itaboraí (RJ). O gasoduto é uma das principais apostas para ampliar a oferta de gás nacional. Entretanto, o projeto, inicialmente previsto para entrar em operação no segundo semestre de 2022, está atrasado, depois da rescisão do contrato entre a Petrobras e a empresa SPE Kerui-Método, responsável pelas obras da unidade de processamento de gás natural (UPGN) do polo.
O consultor e ex-diretor da ANP Cesário Cecchi lembra que os principais terminais de GNL brasileiros, como o de Pecém (Ceará), da baía de Guanabara (RJ) e da Bahia, foram pensados para atender ao mercado termelétrico, na crise hídrica de 2001. “Hoje o mercado brasileiro não térmico de gás natural também está sendo atendido pelo GNL. Isso é resultado da restrição da oferta nacional e tem impactos no nível geral de preços para os consumidores”, afirma.
Para Cecchi, o momento atual é adequado para o Brasil criar mecanismos que otimizem a utilização ou o aproveitamento do gás natural produzido no pré-sal. Hoje a maior parte do gás produzido no país é reinjetada nos próprios reservatórios, pois não há infraestrutura suficiente para escoar a produção marítima para a costa.
Cerca de 70% da produção nacional de gás é reinjetada. O volume pode crescer nos próximos anos. O CBIE aponta que a produção de gás natural brasileira pode dobrar de 2027 a 2031.
“Na ausência de infraestrutura, temos que recorrer a importações num momento de preços extremamente altos. Se o Brasil incentivar a produção doméstica eliminando gargalos de infraestrutura, poderia não só atender a toda a demanda doméstica de gás com a produção nacional, mas também se tornar um exportador líquido”, diz Rodrigues, do CBIE.
Fonte: Valor Econômico
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