A proposta do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de aumentar a oferta de gás natural a curto prazo para reduzir preços e ajudar a viabilizar a reindustrialização esbarra em aspectos técnicos, econômicos e ambientais.
O ministro afirma que a Petrobras e outras petroleiras poderiam destinar mais gás para o mercado reduzindo a reinjeção, mas a prática é utilizada para reduzir emissões de gases de efeito estufa e aumentar a extração de petróleo. Além disso, novos projetos com participação da Petrobras, que podem aumentar a oferta de gás natural, estão em andamento, mas não devem entrar em operação neste ano. O ministro aposta as fichas no programa Gás para Empregar, que pretende aumentar a oferta e reduzir os preços do gás para a indústria, de modo a reduzir a dependência externa de insumos considerados estratégicos para a indústria nacional. No Brasil, as termelétricas são o principal grupo consumidor de gás natural no país, seguido pelas indústrias. A estimativa do MME é que o programa possa contar com R$ 94,6 bilhões em investimentos do setor privado para garantir a oferta adicional de 14 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural no mercado. Além do setor privado, o governo conta com a participação mais ativa da Petrobras no projeto.
O foco de Silveira com o Gás para Empregar é com o setor de fertilizantes, área em que o Brasil é dependente de importações. Para Silveira, o gás barato vai incentivar projetos nacionais de fertilizantes. Em evento do Esfera Brasil, na semana passada, o ministro disse que o MME quer discutir “com maior seriedade” a oferta maior de gás com todas as petroleiras. “É possível que esse gás chegue em maior quantidade e, já de imediato, em menor preço, para que nós possamos reindustrializar e gerar empregos”, afirmou o ministro.
O tema veio à tona com declarações de Silveira em entrevista ao Valor, na semana passada, na qual acusou a Petrobras de ser negligente com a política de gás do governo. Posteriormente, o ministro recuou, mantendo a tese de que a empresa pode elevar rapidamente a oferta, reduzindo a reinjeção de gás natural nos poços. Declarações recentes do presidente da companhia, Jean Paul Prates, de que “não está sobrando gás” no país suscitaram a série de críticas de Silveira ao comando da petroleira.
No Palácio do Planalto, a ordem é colocar panos quentes na rusga entre Prates e Silveira. Integrantes do gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm se movimentado para não deixar que a ferida, exposta na entrevista ao Valor, continue a crescer, contaminando o clima no governo.
Segundo relatos, Prates ficou extremamente contrariado durante a reunião ministerial no Planalto na última quinta-feira, ao tomar conhecimento das declarações de Silveira. O ministro teria saído da sala momentos depois da publicação da entrevista e não mais apareceu, alegando outros compromissos. O mal-estar, no entanto, ficou evidente.
Apesar desse movimento de contemporizar a situação, a simpatia por Silveira dentro do Palácio do Planalto, entre ministros e o presidente Lula, é bem maior do que por Prates. O ministro tem, inclusive, uma relação mais próxima com o presidente do que o presidente da estatal petrolífera.
Em meio aos desejos de Silveira de elevar a produção de gás, um obstáculo é que o Brasil tem reservas ínfimas em relação aos maiores produtores de gás e fertilizantes e o quadro não deve melhorar, mesmo com novas ofertas de gás, de acordo com especialistas ouvidos pelo Valor. O Brasil tem registradas 12 trilhões de pés cúbicos (TCF) de reservas provadas de gás natural em 2022, contra cerca de 400 TCFs dos Estados Unidos, 870 TCFs do Catar e 1.321 TCF da Rússia, maior exportador de fertilizantes e um dos principais agentes do mercado global de gás natural, entre outros países.
“Somos um país petrolífero, não gasífero”, disse uma fonte. Além disso, a produção de gás natural nos grandes produtores é em terra, com custos de extração muito mais baixos em relação ao Brasil, cujas reservas estão localizadas no mar e em águas ultraprofundas. Na Rússia, por exemplo, o custo de produção de gás gira entre US$ 2 e US$ 3 por milhão de BTUs (unidade de medida de gás natural), contra cerca de US$ 12 por milhão de BTU no Brasil. Os Estados Unidos exploram o “shale gas”, extraído de rochas sólidas de xisto. A possível exploração do “shale gas” no Brasil foi vetada há cerca de dez anos, por meio de ações judiciais.
O ponto principal do ministro é contra a reinjeção. O pré-sal é área exploratória responsável por três quartos da produção nacional de petróleo e gás. Só que o gás natural é encontrado associado ao petróleo, o que exige separação e envio pela infraestrutura existente. Silveira afirmou que o Brasil reinjeta 44,6% do gás produzido, contra 23% do continente africano e 12,5% dos Estados Unidos.
Um dos motivos para a reinjeção é econômica. As companhias de petróleo, especialmente a Petrobras, devolvem ao subsolo parte do gás extraído para retirar mais petróleo dos poços. A prática pode resultar em até 20% a mais de petróleo – em torno de sete vezes mais valioso comercialmente do que o gás. Mais petróleo produzido, dizem as fontes, representa mais royalties e participações especiais.
Outra razão é ambiental: 40% do insumo reinjetado é CO2 associado ao gás natural. Ou seja, caso o gás não fosse reinjetado, o CO2 seria separado e lançado na atmosfera, piorando os indicadores ambientais das companhias. Além disso, a separação completa do gás natural e do CO2 necessita de equipamentos de alto custo.
Há ainda o fato de que a aplicação da reinjeção para elevar a extração de óleo é decidida projeto a projeto na exploração dos campos do pré-sal. O que se reinjeta hoje é resultado do que foi estudado há alguns anos e aprovado por órgãos do próprio governo, como a ANP. Procurados, a Petrobras e o MME não responderam até o fechamento da edição.
A expansão da oferta de gás está no radar da Petrobras, que projeta um aumento na produção de mais de 50 milhões de metros cúbicos por dia (m3 /dia). Um desses projetos é o Rota 3, gasoduto de cerca de 350 quilômetros de extensão que escoará o gás produzido em campos do pré-sal na Bacia de Santos até uma unidade de processamento de gás natural (UPGN) no Polo Gaslub (antigo Comperj). O duto terá capacidade de escoar 18 milhões de m3 /dia e tem previsão de entrar em operação até o fim de 2024. Esse gás é o que está mais perto de ser viabilizado no país.
Outro projeto é a exploração de campos localizados na Bacia Sergipe-Alagoas, com perspectiva de aumentar a oferta em outros 18 milhões de m3 /dia. Além disso, há o projeto de exploração do bloco BM-C-33, na Bacia de Campos, que tem a Equinor como operadora, com participação da Repsol Sinopec e da Petrobras, e que deve adicionar outros 16 milhões de m3 /dia. Estes dois projetos estão com a operação comercial prevista para 2028. Segundo fontes, parte dessa nova oferta visa compensar campos com declínio de produção. Ou seja, os acréscimos de volume previstos serão parcialmente compensados pela queda na extração em outras regiões.
Marcelo Mendonça, diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, avalia que a simples tomada de decisão imediata por uma política para o gás natural só será concretizada cinco anos à frente, mas já é suficiente para movimentar todos os elos da cadeia do setor. Para o curto prazo, o executivo vê espaço para realização de investimentos que otimizem o uso da infraestrutura de gás existente, ao mesmo tempo que se viabilizam novos projetos de escoamento, transporte e distribuição.
Ele lembra que medidas para fomentar a demanda e que podem significar uma oferta adicional de gás podem vir de outros segmentos da economia, como o setor de transportes. Nele, é possível consumir mais 30 milhões de m3 /dia com a substituição do óleo diesel por GNV. Enquanto para os produtores um eventual aumento na oferta de gás entre 5 milhões de m3 /dia e 10 milhões de m3 /dia parece pouco, para os consumidores, qualquer incremento é importante. “Um milhão de m3 /dia é mais do que a demanda em muitos Estados do país”, disse Mendonça.
Fonte: Valor Econômico
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