Em artigo publicado no portal epbr, o Diretor Executivo e o Presidente do Instituto Acende Brasil, Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales, afirmam que
O Brasil investiu mais de duas décadas no desenvolvimento dos marcos legais e regulatórios para a construção de um mercado integrado de gás natural. Os debates envolveram múltiplos agentes e autoridades para prover segurança jurídica aos investimentos, dar clareza aos papeis da cadeia de valor de gás natural (Produção, Processamento, Transporte e Distribuição) e produzir inúmeros benefícios para a sociedade.
No entanto, há o risco de essa complexa construção ser abalada se não for corrigida a distorção provocada pela Arsesp (agência reguladora estadual de São Paulo) com a classificação do Gasoduto Subida da Serra como gasoduto de distribuição, apesar de a própria Arsesp ter reconhecido em 2019 que este gasoduto tem características operacionais de gasoduto de transporte.
Ciente desse risco, a ANP abriu a Consulta Pública 10 (CP 10/2023) para receber contribuições sobre os termos de um acordo entre a ANP e a Arsesp que buscaria eliminar a insegurança jurídica e a situação contenciosa que a indevida classificação da Arsesp gerou.
Arquitetura legal e técnica visa um mercado amplo, aberto e interligado
Os princípios para um mercado integrado de gás natural foram ratificados pelo Congresso por vários marcos legais, a começar pela Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que o transporte de gás natural é monopólio da União (Art. 177).
Já a Lei do Petróleo de 1997 (Lei 9.478/97) criou a ANP e explicitou que a mesma é quem deve regular e fiscalizar as atividades de gás natural.
Em 2021, a Nova Lei do Gás (Lei 14.134/21) definiu como gasoduto de transporte aquele ativo destinado à movimentação de gás ou à conexão de fontes de suprimento.
Finalmente, a Resolução no. 3 do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) de 2022 explicitou premissas e princípios para o desenvolvimento desse mercado. Entre as premissas, destacam-se a busca pela diversidade de agentes e a promoção da competição na oferta de gás. Entre os princípios, a segurança no abastecimento e a ampliação da concorrência, evitando formação de monopólios regionais.
Toda essa arquitetura legal e técnica foi desenvolvida tendo em mente a implementação exitosa de um mercado integrado de gás natural amplo, aberto e interligado pelos gasodutos de transporte que conectam os elos de produção/importação aos de distribuição/consumo.
Com base nessa arquitetura, a estrutura da indústria de gás natural no Brasil (e no mundo) foi construída ao longo dos anos para otimizar a comercialização dos volumes de gás e maximizar a segurança do suprimento por meio de um sistema integrado de transporte que promove a competição entre diversas fontes e induz a preços concorrenciais de longo prazo. Cabe lembrar que o aumento de volume na malha de transporte reduz o custo para o consumidor porque a tarifa de transporte de gás é definida pelo regime de Receita Máxima Permitida: como a receita é fixa, quanto maior o volume de gás transportado, menor a tarifa.
Classificação equivocada encarece as tarifas e desintegra o mercado de gás
O projeto Subida da Serra foi desenvolvido pela Compass, que também controla a Comgás, distribuidora local de gás em São Paulo. Os seus 31,5 km de traçado fazem uma conexão isolada entre o Terminal de Regaseificação TRSP da Compass, no Porto de Santos, e a malha da própria Comgás.
Na prática, o projeto duplica os custos de infraestrutura para atender ao mesmo mercado paulista atual, com trecho paralelo à rede de transporte existente (daí o termo bypass). Esta duplicidade, aliás, é paga pelo consumidor de gás de São Paulo e pelos demais consumidores conectados à rede nacional integrada.
Portanto, o Gasoduto Subida da Serra corrompe o Modelo Integrado para gás natural pois: (a) diminui o volume transportado na malha de transporte e, portanto, aumenta a tarifa de transporte (menor demanda, maior tarifa); (b) reduz a segurança de suprimento ao restringir as fontes acessíveis de gás no mercado de São Paulo; (c) gera perda de competitividade para São Paulo ao isolar o único fornecedor de gás das pressões competitivas em nível nacional; (d) descarrega no mercado regulado da distribuição de São Paulo custos associados ao terminal de regaseificação TRSP e instalações acessórias; e (e) implica verticalização e concentração de atividades (o terminal TRSP e a distribuidora Comgás são ambos do Grupo Compass).
Precedente
Autoridades federais (como ANP, o Ministério da Justiça/Cade e o Ministério da Economia), agentes e associações compartilham do mesmo diagnóstico: a classificação do Gasoduto Subida da Serra como ativo de distribuição extrapolou as atribuições da Arsesp (reguladora estadual) e invadiu as atribuições da ANP (reguladora federal), além de poder criar um perigoso precedente para desvio (bypass) do sistema de transporte e provocar a desintegração do mercado de gás natural.
Estas e outras análises são detalhadas no estudo O Fenômeno Bypass, a Desintegração do Mercado de Gás Natural e seus Impactos” (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos), cujo objetivo é oferecer uma visão abrangente dos impactos do projeto Gasoduto Subida da Serra sobre a lógica de um mercado integrado de gás natural no Brasil e sobre os marcos legais e regulatórios concebidos para viabilizar esse modelo de mercado.
A ANP precisa fazer valer sua competência institucional (Lei 9.478/1997) e reverter a insegurança jurídica acarretada pelo fenômeno de bypass promovido pela incorreta classificação do Gasoduto Subida da Serra pela Arsesp. Esta correção de rumos exige quatro medidas complementares: apontar a não conformidade do Gasoduto Subida da Serra em relação aos marcos legais e regulatórios; delimitar claramente a jurisdição federal da ANP e a prevalência do interesse geral do mercado nacional de gás frente aos reguladores estaduais e interesses locais; classificar o Gasoduto Subida da Serra como gasoduto de transporte; e evitar a propagação do bypass para outros estados.
Consulta Pública
A Consulta Pública 10/2023 é oportunidade ímpar para que a ANP restabeleça os princípios de um mercado integrado de gás natural, representado por um mercado amplo e aberto, suportado por uma rede de transporte nacional onde oferta e demanda se encontram, permitindo que o gás natural, independentemente de sua origem, possa fluir de forma livre por todo o sistema. Se isso for feito, proveremos flexibilidade e segurança de oferta para o consumidor, reduziremos a tarifa de transporte, estimularemos preços competitivos e criaremos incentivos para a ampliação de investimentos com geração de renda e empregos.
Fonte: Epbr – Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales
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