Responsável por dar aos americanos a posição de maiores produtores de petróleo do mundo, o fraturamento hidráulico (“fracking”, em inglês) pode ganhar maior escala com a eleição de Donald Trump. O “fracking” é uma tecnologia que envolve o uso de grandes quantidades de água misturada com areia e produtos químicos, que são injetados no subsolo para fraturar rochas e liberar petróleo e gás. Nos anos recentes, a técnica se desenvolveu rapidamente nos Estados Unidos e fez o país aumentar a oferta de hidrocarbonetos, tornando-se também o maior exportador de gás natural. O crescimento da atividade levou, porém, ao surgimento de preocupações ambientais relacionadas à contaminação de fontes subterrâneas de água potável. O metano liberado no processo também é nocivo e contribui para o aquecimento global. A partir da posse de Trump, em 20 de janeiro, a expectativa é que os Estados Unidos incentivem ainda mais a atividade. Ao longo da campanha à Casa Branca, Trump reforçou a ideia de perfurar mais com o lema: “Drill, baby, drill” (“perfure, querido, perfure”, em tradução livre).
Os efeitos sobre o Brasil ainda estão sendo avaliados por especialistas da indústria. Trump indicou um bilionário do “fracking” para liderar o departamento de energia do país. Chris Wright é fundador e presidente da Liberty Energy, uma prestadora de serviços para produtores de petróleo e gás. Wright deve ter como missão levar adiante promessas de campanha de Trump, como aumentar a produção de hidrocarbonetos e reduzir os preços, especialmente dos combustíveis. Se eventualmente atingir a meta, pode haver reflexos no mercado internacional, dado o tamanho dos EUA como produtor e exportador de petróleo. Nesse cenário, outros produtores poderiam ser afetados, inclusive o Brasil, que tem na commodity um dos principais produtos de exportação. Segundo uma fonte do setor, ainda que os preços caiam pelo aumento da oferta, a redução esperada na demanda global deve equilibrar as cotações: “Não creio que haja uma redução permanente e significativa nos preços e impacto na arrecadação de tributos no Brasil”. O jornal britânico “Financial Times” publicou recentemente que há expectativa de que Trump reverta algumas regulações ambientais para atingir as metas prometidas. Espera-se também que o presidente eleito volte a liberar licenças para novos terminais de gás natural liquefeito (GNL), que estão pausadas. Ainda segundo o “FT”, apesar dos esforços, as petroleiras negociadas em bolsa devem manter o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Na visão de Felipe Perez, chefe de estratégia de combustíveis e refino para América Latina da S&P, a entrada de Wright significa menos recursos para o desenvolvimento de energias renováveis: “Talvez o maior significado seja incentivar ainda mais a indústria de óleo e gás. Deve aumentar também incentivos para energia nuclear”. Segundo Perez, o indicado para a secretaria de Interior dos Estados Unidos, Doug Burgum, também é apoiador da indústria. A pasta é responsável pela administração e conservação das terras pertencentes ao governo federal. A técnica do “fracking” permitiu aos Estados Unidos explorar grandes reservas de xisto, conforme Victor Arduin, analista de energia e macroeconomia da Hedgepoint, e Timothy Vince, gerente de relacionamento de energia da consultoria: “O fraturamento hidráulico não é apenas a principal razão pela qual os Estados Unidos deixaram de ser importadores líquidos de petróleo, mas também os tornaram os maiores produtores do mundo, superando países fornecedores de energia, como a Arábia Saudita e a Rússia”, afirmam. Apesar dos resultados que trouxe aos Estados Unidos, o “fracking” não representou a independência dos americanos em relação ao produto importado, segundo dizem os analistas da Hedgepoint: “Importante ressaltar que as refinarias americanas ainda dependem de importações para alcançar o melhor rendimento para produção de combustíveis, o que mantém o país como um dos principais importadores de petróleo”. Segundo a Agência de Informações de Energia dos Estados Unidos (EIA), a produção de óleo cru em reservatórios de baixa permeabilidade, com necessidade de extração por fraturamento hidráulico, representou 64% do total produzido pelo país no ano passado. A produção do gás de xisto (“shale gas”), principal produto do “fracking” representou 78% do total de gás produzido em 2023 pelo país, segundo a EIA. A produção de gás de xisto supera as demais formas de extração nos Estados Unidos desde 2012.
Para Perez, da S&P, o fraturamento hidráulico pode ser considerado uma das maiores revoluções tecnológicas de produção de petróleo. “É uma forma de raspar o fundo da panela, tirar o máximo proveito do que está diluído na formação geológica. O processo tem eficiência alta e rápida, mas a produção cai rapidamente.” Perez diz que, além da importância na matriz energética, o “fracking” deu poderes geopolíticos aos americanos. “Os Estados Unidos eram proibidos de exportar petróleo até que a produção subiu e Barack Obama reverteu essa regra. Em dez anos, o país começou a se tornar o maior produtor de petróleo do mundo e a se posicionar em um novo perfil geopolítico. Agora os Estados Unidos podem fazer frente ao Irã e à própria Rússia, discutindo de igual para igual.” De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), os Estados Unidos foram os maiores produtores de petróleo em 2023, com 12,9 milhões de barris por dia, enquanto a Rússia assumiu a segunda posição, com 10,6 milhões de barris por dia. O terceiro lugar é da Arábia Saudita, com 9,6 milhões de barris por dia, enquanto o Brasil ficou com a oitava posição do ranking, com 3,4 milhões de barris por dia. O analista da S&P diz que os países que não fazem parte dos acordos de cotas de produção da Opep têm ganhado importância nos dados globais. Segundo Perez, os Estados Unidos, assim como Brasil, Canadá e Guiana, são os principais países entre os não Opep em termos de volume produzido. “Esses países têm aumentado a produção mais do que a demanda por líquidos totais [petróleo e condensados de gás natural]”, disse o analista. Perez acrescenta que a indústria americana também ganhou vantagem competitiva na exportação de líquido de gás natural, importante insumo para a indústria petroquímica. Para o professor André Cutrim, do núcleo de meio ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), além de riscos de contaminação de aquíferos, o “fracking” demanda grandes volume de água, o que é problemático em áreas de escassez. “A técnica também libera poluentes no ar, incluindo metano e compostos orgânicos voláteis, o que afeta a qualidade do ar, contribuindo para o aquecimento global e as mudanças climáticas.” Cutrim complementa: “Com Trump novamente no poder, o lobby em favor do ‘fracking’ será forte nos EUA. Muito disso impulsionado por grandes corporações de petróleo e gás e por associações industriais que veem na técnica uma forma de assegurar a independência energética do país.]
Na visão de Cutrim, além da flexibilização de regulamentações ambientais, um novo governo Trump deve retirar barreiras de exploração em áreas ambientalmente sensíveis. “Políticas pró-fracking certamente vão continuar nos Estados Unidos acompanhadas com investimentos tecnológicos e incentivo fiscais para o segmento.” No Brasil, a técnica de fraturamento hidráulico é autorizada pela ANP, mas, segundo Marcus D’Elia, sócio da Leggio Consultoria, não há produção neste formato principalmente pelas restrições ambientais. “Apesar de criticadas [as restrições], são bastante eficazes em limitar operações com alto risco de dano ambiental. Neste ponto, podemos dizer que o Brasil é mais desenvolvido do que os Estados Unidos”, compara D’Elia. Segundo dados da EPE, do MME, o Brasil tem algumas áreas sedimentares mais propícias a investigações dos chamados reservatórios não convencionais, que poderiam precisar da técnica de fraturamento hidráulico para produzir petróleo e gás. A bacia do Paraná, no Sul e Sudeste; do Parnaíba, entre Maranhão e Piauí, e do Amazonas e Solimões têm expectativa de reservatórios de gás de xisto. Esse tipo de gás também é esperado na bacia do Recôncavo, na Bahia. Procurado pelo Valor para falar sobre o “fracking” no Brasil, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, manteve, via assessoria, a posição que vem defendendo: o Brasil não deve abrir mão da soberania energética e poderia explorar o potencial de reservatórios não convencionais, desde que concilie a exploração responsável com a preservação ambiental. Para um executivo da indústria de óleo e gás, uma vez que o Brasil importa o gás de xisto da Argentina e dos Estados Unidos, e assim cria emprego e renda nesses países, poderia também investir no “fracking” nacional. A visão desse executivo é de que o Brasil, ao importar, está pagando para outros países poluírem a atmosfera. “Haverá poluição de qualquer modo fazendo fracking no Brasil ou na Argentina, uma vez que a atmosfera [da Terra] é comum.” Na segunda-feira (18), o Brasil firmou parceria com a Argentina para viabilizar a importação de gás da reserva de Vaca Muerta, produzido a partir do “fracking”.
Fonte: Valor Econômico
Related Posts
STJ marca audiência pública para discutir uso do fracking no Brasil
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) marcou para o próximo dia 11 de dezembro a audiência pública para discutir a possibilidade de exploração de recursos energéticos de fontes não convencionais (óleo e gás...
STJ divulga resultado de consulta pública sobre fracking
Metade das pessoas e entidades que participaram de uma consulta pública do STJ sobre exploração de recursos energéticos de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou folhelho) por meio de fraturamento...