A Tradener anunciou, no início do mês, que está realizando testes de importação de gás natural argentino ao longo deste mês, com expectativa de evoluir para operações regulares. O CEO da comercializadora, Guilherme Avila, afirmou em entrevista a Brasil Energia que o objetivo primeiro da iniciativa é avaliar a burocracia para trazer a molécula ao Brasil e a viabilidade econômica e operacional do projeto, por meio do corredor Argentina-Bolívia-Brasil. A Argentina também passa por um momento de mudanças internas do mercado de gás natural, com aumento de players de mercado e de competitividade. Para Avila, o movimento é positivo: quanto maior a quantidade de fornecedores, melhor o portfólio de compras. Confira os principais trechos da entrevista:
A Tradener está participando do processo de testes de importação do gás natural de Vaca Muerta. O período de testes vai durar quanto tempo e qual será a fornecedora da molécula?
Os testes de importação de gás natural argentino ocorrem em parceria com a Pampa Energia ao longo de maio. É um volume interruptível e pequeno, mas o objetivo neste momento é testar toda a burocracia que precisaremos superar para fazer a molécula chegar até aqui. O contrato de compra de gás segue regras da Argentina com relação ao preço. A Bolívia faz o transporte e, depois, vem a entrada do gás natural no Brasil. Está sendo bem exitoso até o momento e estamos satisfeitos com a parceria com a Pampa Energia.
Como vai funcionar a conexão com a Argentina via Bolívia?
A Bolívia pega o gás natural no sul da Argentina e nos entrega na fronteira com o Mato Grosso, onde entra no Brasil pelo Gasbol. Nós podemos entregar o gás natural nos diversos players que estão conectados, diferente do nosso campo de Barra Bonita, que é mais off-grid e funciona via caminhão.
Quais os próximos passos da importação, caso os resultados sejam positivos? A empresa planeja fazer operações regulares?
A empresa já está trabalhando para ter operações regulares com a Argentina e a questão vai cair no preço. O gás argentino está mais distante, enquanto o gás boliviano está na boca do Gasbol. Ainda não temos uma conexão direta pelo Rio Grande do Sul entre Argentina e Brasil, vai até o município de Uruguaiana. O projeto já se mostra viável do ponto de vista do trajeto da molécula, mas, agora, é preciso avaliar se será economicamente viável.
E para que seja, há algum fator que se destaca?
Vai depender da competição interna do preço do gás natural aqui no Brasil, da disposição a pagar pelo combustível na Argentina e de como será o custo boliviano para realizar o transporte de um gás natural argentino. Conforme nós enxergamos ser factível a vinda do combustível da Argentina via Bolívia, acredito que poderia destravar o interesse de alguns players em construir uma infraestrutura para trazer o gás argentino para o Brasil. Em tese, tornaria a operação mais barata.
Com a proximidade do inverno, há expectativa que o consumo de gás na Argentina aumente e as importações sejam interrompidas?
A Tradener já exporta energia elétrica para a Argentina há muitos anos e justamente nesse período de inverno que começam essas operações. O que escutamos muitas das vezes é falta gás natural para geração, pois eles estão usando para geração de energia e usando todo o combustível para aquecimento. Mas, com Vaca Muerta, há uma oferta adicional de gás natural, e depende de como eles vão direcionar o uso do combustível. Será interessante observar, justamente neste momento, como eles vão se comportar nesse sentido. A Argentina também está em um momento de mudança da organização energética, o governo atual está alterando para deixar mais nas mãos dos players tanto a venda da molécula quanto a compra de energia. Estamos observando esse movimento de perto.
A Tradener já importa gás boliviano, por que importar gás da Argentina? De que forma o gás argentino pode ajudar nas operações da Tradener e do Brasil?
A Bolívia tem uma estatal, que é a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). É a dona de tudo. Já a Argentina tem mais de um produtor e, quanto mais produtores, do ponto de vista estratégico, melhor. Com maior número de fornecedores, é possível montar um portfólio de compras mais adequado.
Saindo do mercado de gás natural, poderia falar um pouco sobre os projetos da Tradener na área de geração eólica?
A Tradener tem o parque eólico Chicolomã, com capacidade de 90 MW e localizado na região da Lagoa dos Barros (RS). A unidade está com a licença ambiental aprovada e tem mais de uma opção de conexão. É um parque não vai sofrer influência do curtailment e que estamos avançando na definição do capex, já com bastante interesse de vários fornecedores. A implementação de novos parques eólicos está bem parada em relação a antes, por isso o alto interesse. Também temos uma base de clientes grande no Rio Grande do Sul, que demonstraram interesse em entrar em um regime de autoprodução.
E há interesse em atendê-los?
A própria Tradener tem interesse em adquirir essa energia no Sul, livre do curtailment. No entanto, o dólar está em um patamar historicamente mais alto frente ao que esteve no passado, quando a maioria dos projetos eólicos de máquinas importados foram implementados. Da mesma forma, a taxa de juros, que hoje está no patamar mais alto dos últimos 20 anos, o que dificulta um pouco o fechamento da equação do projeto. Mesmo assim, estamos avançando e estamos com uma visão de longo prazo. O outro parque é o Taíba, localizado no município de São Gonçalo do Amarante (CE). É mais difícil nesse momento em que o Nordeste está sofrendo com os cortes de geração, além da diferença de preço entre Nordeste e Sudeste. O projeto está mais, vamos dizer assim, postergado.
Quais os outros projetos da empresa?
Também temos duas PCHs, uma estamos desenvolvendo o projeto de levantamento hidráulico em Goiás e uma outra que ainda está para início de construção em breve, a da PCH Salgado. Esses são os nossos projetos, além dos 172 MW que temos em operação e a térmica em Barra Bonita. Estamos avançando nos projetos, têm clientes interessados em fazer autoprodução e temos uma gama de iniciativas operando. Vamos caminhando com segurança.
Qual é s sua opinião sobre a proposta do MME para modernização do setor elétrico, em especial quanto à abertura do mercado para todos os consumidores a partir de 2027? A companhia pretende ampliar atividades na área de comercialização?
Temos interesse em ampliar, sem dúvida. Estamos preparando a Tradener há 25 anos para poder escalar suas operações. Esse é o nosso objetivo: ampliar a base de clientes. A Tradener é uma comercializadora diferenciada da maioria, nós buscamos comprar energia em contrato de médio e longo prazo a preços sustentáveis para que essa energia seja entregue para o consumidor livre, também a preços sustentáveis.
Com o crescimento cada vez maior das renováveis e os consequentes cortes impostos pelo ONS, na sua opinião, qual é o grande desafio que a área de geração enfrenta hoje em dia?
Acredito que precisamos olhar a área de geração em conjunto com a área de transmissão e com a área de consumo. Hoje, estamos sofrendo talvez alguns efeitos de uma falta de planejamento, talvez, de anos anteriores. Quais os reflexos disso? O curtailment, essa pressão que se exerce em cima do ONS para que a diferença de preço de submercado não seja tão grande, os próprios pareceres de acesso negados para consumo e geração em alguns momentos.
Além da GD, que cresceu de forma vertiginosa e traz uma volatilidade muito grande para o operador da conta…
Isso é um fenômeno do crescimento das renováveis na matriz e do amadurecimento do consumidor na medida que ele começa a gerenciar a própria energia. Esse fenômeno não acontece só no Brasil, mas também na Austrália e Europa, que teve recentemente o apagão na Península Ibérica com uma suspeita de inversão de fluxo. Acredito que seja um amadurecimento que todos os setores elétricos ao redor do planeta estão passando: um consumidor que quer mais flexibilidade, uma rede que precisa prover mais flexibilidade. Agora, começamos a ver alguns atributos que antes não eram valorizados e que passam a ser mais valorizados do ponto de vista de percepção, mas ainda não do ponto de vista financeiro. Com isso, começam a criar soluções de remendo. É interessante notar que uma das coisas que fazia com que o consumidor tivesse uma economia ao migrar para o mercado livre era o que, ao estar no cativo, ele tinha que pagar um preço diferencial grande por consumir energia no horário de ponta. Esse custo mais alto na ponta não existe no ambiente livre. Um consumidor que se restringia muito a consumir na ponta em decorrência da estrutura tarifária, ao migrar para o ACL, ele não tem mais essa restrição. Hoje, temos um problema de ponta.
Fonte: EnergiaHoje
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