A temporada de revisões tarifárias das distribuidoras de gás canalizado tem indicado um aumento nas margens do serviço em diferentes estados. No Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas – que, juntos, representam 23% do mercado – a alta das margens é de dois dígitos. O movimento reacende o debate sobre eficiência dos investimentos na expansão da rede. Entidades ligadas aos consumidores industriais têm feito uma ofensiva, nas consultas públicas nos estados, para tentar evitar (ou mitigar) os danos. Questionam o descasamento entre os planos de investimentos em expansão na rede e o histórico de redução generalizada dos volumes distribuídos. E destacam que o crescimento das margens vai na contramão dos esforços do Gás para Empregar para reduzir os custos das infraestruturas e oferecer uma molécula mais barata às indústrias no primeiro leilão de gás da União. A distribuição é o único elo da cadeia do gás que foge da esfera de regulação federal. O MME, contudo, também tem chamado os estados para a discussão. Afinal, como evitar que investimentos que não sejam, de fato, necessários à prestação do serviço sejam contabilizados? Esse foi um dos pontos levantados pelo MME na tomada pública de contribuições aberta recentemente para discutir a harmonização regulatória. As distribuidoras, por sua vez, veem uma distorção no debate e defendem seus planos de expansão como solução (e não problema) para as tarifas.
O mapa do aumento das margens
Ao menos cinco estados passam (ou acabaram de passar) por processos de revisão tarifária na distribuição. Nem todos seguem o mesmo modelo de regulação e metodologias de cálculo das tarifas. Em alguns o debate acontece na sequência de privatizações e em meio à chegada de novos controladores – que assumiram os ativos com compromissos de aumento da rede junto aos estados (o poder concedente). É o caso da ES Gás (ES) e Sulgás (RS). Mas, guardadas as particularidades, o aumento das margens tem sido a tônica: Em Alagoas, a Arsal autorizou uma alta de 40% da margem bruta da Algás, para R$ 0,8422/m³ – ainda assim, aquém do pleito da concessionária, de R$ 1,0232 o m³; Na Bahia, a Agerba discute duas propostas para o processo anual da Bahiagás: um reajuste de 25,6% ou 30,8%, a depender do uso ou não de compensações de ajuste. No pior dos cenários, a margem subiria para R$ 0,4580 o m³; No Espírito Santo, na 1º Revisão Tarifária desde a privatização da ES Gás, a ARSP propõe uma margem média de R$ 0,4795/m³ para o ciclo – alta de 59,8% ante o patamar atual e aquém do pleiteado pela concessionária; e, no Rio Grande do Sul, a Agergs regulador propõe uma margem de R$ 0,6081/m³ – 21,28% acima do valor fixado na revisão de 2024, mas aquém do pleito da Sulgás, de R$ 0,6705/m³. São Paulo, o principal centro de consumo do país, é, dentre os estados com revisões tarifárias em andamento, o único onde as margens podem cair. A revisão quinquenal da Comgás aponta para uma redução de 1,5% na margem; ou aumento de 3,2%, se considerados ajustes compensatórios; Na concessão da Necta, o aumento pode ser de 2% (ou 4,9% com os ajustes compensatórios, para R$ 0,9290 o m³).
Indústrias questionam investimentos
O principal ponto de questionamento dos consumidores industriais, nas revisões tarifárias em curso, tem sido a eficiência dos investimentos. Alegam que as concessionárias têm mantido planos vultuosos (muitas vezes associados ao segmento residencial) em mercados onde o consumo de gás tem rateado – e, em alguns casos, declinado. Em carta conjunta à Arsesp, na discussão das tarifas da Comgás, a Abividro (indústria vidreira), Abrace (grandes consumidores de energia) e Abiquim (indústria química) defenderam que sejam estabelecidos critérios mínimos para a aprovação de projetos de expansão. Os consumidores industriais fazem pressão para baixar as margens em São Paulo, que costuma servir como referência para regulação de outros estados. As entidades também pedem a certificação dos investimentos passados – argumentam que a distribuidora, por sua posição, teria um incentivo natural para maximizar a base de remuneração, o que poderia levar a projeções de investimentos inflacionadas e, consequentemente, ao repasse de custos desnecessários aos clientes. “Essas concessões não estão trazendo aumento de volume há anos e, com os planos de investimentos, a conta não vai fechar nunca. Isso é preocupante não só para consumidores, mas para a saúde das concessões como um todo”, comenta o diretor de Gás Natural da Abrace, Adrianno Lorenzon. Na visão dele, os estados deveriam participar mais ativamente da aprovação dos investimentos. “Talvez o poder concedente não esteja avaliando as possíveis consequências”. “Enxugar gorduras” seria a forma, cita Lorenzon, de equilibrar novos investimentos com a necessidade de modicidade tarifária.
Distribuidoras veem expansão como solução
As concessionárias estaduais, representadas pela Abegás, rebatem as críticas: a expansão da rede ajuda a mitigar os efeitos da redução dos volumes – reflexo, em parte, de fatores exógenos ao setor, como a desindustrialização e planos de descarbonização da economia. “A visão da indústria é imediatista em relação aos investimentos. Se o consumo da indústria não cresce, é natural que busquemos outros mercados que agregam valor à concessão”, defende o diretor Econômico e Regulatório da Abegás, Marcos Lopomo. Ele explica que, dentro da lógica de rateio do condomínio do sistema de distribuição, o aumento do número de consumidores ajudará a reduzir o custo unitário para o mercado como um todo. “A expansão para outros segmentos [como o residencial] ajuda a reduzir a exposição da concessão de ficar exposta a um mercado específico”. As distribuidoras também argumentam que a margem da distribuição é uma das parcelas de menor peso na tarifa final – de 12%, segundo dados do MME. E que, portanto, o aumento da remuneração das concessionárias tem um impacto de um dígito, e não de dois, nas tarifas. A Abegás também argumenta que, em alguns casos, o aumento abrupto dos investimentos (e seus impactos na margem) reflete a chegada de novos investidores nas concessões – que assumiram, com os estados, nas privatizações, compromissos de aumento dos orçamentos para universalização do serviço. Esse é o argumento levantado, por exemplo, pela Energisa, na ES Gás, que propôs investir R$ 1 bilhão até 2030. “A gente não pode deixar de encarar que o estado passou por uma década de subinvestimento”, disse o CEO da distribuidora capixaba, Fábio Bertollo. No Rio Grande do Sul, o crescimento das margens, ano a ano, desde a privatização da Sulgás em 2022, acirrou uma disputa com as indústrias. Na revisão tarifária do ano passado, a Agergs chegou a mudar algumas interpretações na metodologia de cálculo da margem – um imbróglio que se arrastou até 2025. O regulador recuou em alguns pontos. Mesmo assim, com a margem aquém da pleiteada, a concessionária decidiu reduzir seus investimentos em 2025 de volta aos patamares pré-privatização. A Sulgás alega que mudanças na interpretação da metodologia de cálculo da margem, introduzidas pelo regulador estadual, trazem “instabilidade e imprevisibilidade regulatória” e que isso afeta decisões dos investidores.
Fonte: Eixos
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