O governo federal, a Petrobras e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) iniciaram conversas, embora ainda preliminares, sobre a implementação de um amplo programa de abertura do mercado de gás natural no país. Dentre as propostas colocadas na mesa, estão medidas para forçar a petroleira estatal a se desfazer de todos os seus ativos de transporte e distribuição, além de reduzir sua participação na comercialização.
O Valor apurou que a desverticalização do setor de gás entrou na pauta de um encontro entre lideranças do alto escalão do governo e da Petrobras, na sexta-feira (22), no Rio de Janeiro. Um time de consultores da Fundação Getulio Vargas (FGV) foi convidado a apresentar um esboço inicial de quais seriam as medidas necessárias para abrir o setor. Dentre outras propostas, o grupo sugere que a Petrobras assine um termo de conduta com a ANP e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), comprometendo-se a vender as fatias que ainda detém nos gasodutos e distribuidoras.
A companhia possui, atualmente, 51% na Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG); 100% na Transportadora Associada de Gás (TAG), que está em processo de desinvestimento; 10% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS); e 25% na Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB), que atua na fronteira com a Argentina. Já na área de distribuição, a estatal detém 51% da Gaspetro, empresa que possui participação acionária em 19 distribuidoras estaduais de gás canalizado.
Além disso, pela proposta apresentada, a Petrobras se comprometeria a reduzir sua participação na comercialização do gás no mercado nacional, por meio de um programa de “gas release” (liberação de gás) – iniciativa de desverticalização na qual o agente dominante é obrigado a ceder contratos de venda de gás (e capacidades de transporte nos gasodutos) para
concorrentes. O objetivo é que, no médio e no longo prazos, a Petrobras não tenha uma participação de mercado superior a 50%.
Atualmente, a companhia responde por cerca de 75% do gás produzido no país. Na prática, contudo, ela é praticamente a única fornecedora relevante do mercado, já que petroleiras como Shell, Repsol e Petrogal, sócias da estatal nos campos do pré-sal, vendem suas parcelas para a própria Petrobras, a preços baixos, porque enxergam dificuldades no acesso ao mercado consumidor.
As propostas estão sintonizadas com o que pensa a ANP. Em janeiro, o órgão regulador enviou ao Cade uma nota técnica analisando uma série de medidas necessárias para a promoção da concorrência na indústria de gás. Na ocasião, defendeu que a implementação do “gas release” poderia desempenhar um papel de dinamizador do processo de concorrência, especialmente nas etapas iniciais de abertura do mercado. O sistema já foi adotado no Reino Unido, nos anos 1990, com o objetivo de reduzir a fatia de mercado da BG, e replicado na Espanha e Itália na década de 2000.
“A partir da experiência internacional propõe-se que a ANP fique encarregada de definir o prazo e a forma de aplicação de programas de ‘gas release’ a ser conduzido pelo agente incumbente, os quais podem incluir a previsão de liberação de capacidade de transporte por parte do agente dominante”, afirmou a ANP, na nota técnica.
A agência também defendeu uma mudança estrutural no setor de distribuição, por meio de uma desverticalização que não permita ao produtor e ao comercializador deter participação acionária nas concessões estaduais de gás canalizado.
O órgão regulador também propôs, no documento, reduzir paulatinamente as exigências para migração de consumidores cativos para o mercado livre de gás. A regulação do assunto é estadual e cada Estado possui regras próprias. Os consumidores reclamam que, em alguns casos, as exigências para a migração são restritivas.
Nesse sentido, uma das ideias levantadas pelos consultores seria propor a renovação antecipada dos contratos de concessão das distribuidoras privatizadas a começar pelo Rio e São Paulo. Em troca, seriam adotadas nessas concessões regras tarifárias mais favoráveis à migração do ambiente cativo para o livre.
As conversas sobre a abertura do mercado de gás começaram a ganhar corpo nas últimas semanas. Neste mês, o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, se reuniu ao menos duas vezes com representantes da FGV, para discutir o marco regulatório do gás. Na sexta-feira, houve então uma reunião entre diversas lideranças do governo e da Petrobras, no Rio, para tratar, dentre outros assuntos, da abertura do mercado de gás. No encontro, estavam presentes, além de Oddone, figuras como o ministro da Economia, Paulo Guedes; o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco; o secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, Márcio Félix.
Fonte: Valor Econômico
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