O Leilão de Reserva de Capacidade 2025 pode se tornar, em junho, um ponto de inflexão para a entrada do gás natural argentino no mercado brasileiro nos próximos anos. Na corrida pela habilitação de projetos no certame, ao menos um (forte) candidato, o grupo J&F, recorreu a produtores de Vaca Muerta para montar o seu portfólio de suprimento. Mas não só. O LRCAP promete ser um leilão bastante diverso, com muitos projetos em jogo e com diferentes fontes de gás: Argentina, Bolívia, mas também gás nacional (do pré-sal ao biometano) e gás natural liquefeito (GNL) importado – quem sabe até por meio de novos terminais de regaseificação. A seguir, a gas week mapeia a movimentação dos agentes em busca de gás para o LRCAP. Afinal, de onde virá a molécula que abastecerá as térmicas novas e existentes que concorrerão por contratos de geração flexível? O levantamento é um recorte inicial. Não contempla todos os projetos em desenvolvimento. Além disso, nem todos os projetos conseguirão se habilitar. Mas serve para situar.
J&F monta carteira robusta
A J&F chega forte na concorrência, com um portfólio de térmicas (novas e existentes) que se aproxima dos 3 GW. Por meio da Âmbar (geradora) e MGás (comercializadora de gás), o grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista montou uma carteira de suprimento de gás nacional e importado. Assinou termos de compromisso com a Tecpetrol e Pan American Energy (PAE), na Argentina; e com a YPFB, na Bolívia. No Brasil, recorreu à Petrobras, Eneva e New Fortress Energy (NFE) – agentes, aliás, que entram como supridores e desenvolvem usinas próprias. No pipeline, a empresa tenta habilitar usinas existentes, como Cuiabá (529 MW, no MT), Uruguaiana (640 MW, RS) e Araucária (484 MW, PR), além de Santa Cruz (500 MW, RJ). Todas com contratos vencidos ou a vencer. E na carteira greenfield estão a UTE Campo Grande (360 MW, MS) e UTE Rio Negro (188 MW, AM). A diversidade das fontes de gás reflete a pulverização do parque termelétrico da Âmbar: a Eneva é a fonte de gás no Amazonas; Tecpetrol poderá fornecer para Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. E a NFE é um dos possíveis supridores de Araucária, a partir do novo terminal de GNL de Santa Catarina. A aproximação da J&F com os argentinos ocorre não só como offtaker. via Fluxus, entrou também como produtora de óleo e gás no país vizinho.
Gás próprio
O trio Petrobras, Eneva e J&F é dono dos maiores parques termelétricos a gás do país. As três entram como candidatas fortes no leilão. Petrobras e Eneva se destacam, ainda, por possuírem um portfólio de gás próprio – o que, para gestão de térmicas 100% flexíveis, tem seu valor. A estatal, maior produtora do país e dona do portfólio de gás mais flexível, conta com o LRCAP não só para recontratar suas térmicas existentes, mas também para viabilizar seu principal projeto greenfield: a térmica do Complexo Boaventura, em Itaboraí (RJ), com gás do pré-sal. A Eneva, por sua vez, mira a recontratação das térmicas do Complexo Parnaíba e a expansão da Celse, em Sergipe. Quem tenta replicar o sucesso da Eneva no modelo gas-to-wire é a Origem Energia, que mira o LRCAP como oportunidade de entrar na geração. A companhia acredita que “por meio da combinação de sua infraestrutura com a produção de gás não associado está em uma posição estratégica”. O modelo de geração com gás próprio vale também para o bioemetano. Na ausência de um produto específico para o gás renovável no certame, o grupo Urca, por exemplo, tenta habilitar um série de projetos – em estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo – apostando num mix de biogás/biometano próprio, produzido pela Gás Verde, do mesmo grupo, mas balanceado com gás natural da Petrobras.
Mais GNL aí?
O leilão de junho também desponta como oportunidade para otimização dos terminais de GNL existentes, que operam com capacidades ociosas – a maioria deles, agora, conectados à malha de gasodutos, com exceção dos terminais de Barcarena (PA), da Celba (NFE), e Açu (RJ), da GNA. As duas empresas, aliás, bem como a Eneva, a partir do terminal de GNL do Porto de Sergipe, tentam expandir seus respectivos parques termelétricos associados à importação de GNL. E, em Pernambuco, o terminal de GNL que a OnCorp tenta levantar em Suape também é a fonte de suprimento de uma série de projetos que tentam se habilitar para o leilão de junho. A expectativa é que a planta de regaseificação nasça conectada à malha de gasodutos de transporte, o que abre possibilidades de novas térmicas associadas ao GNL de Suape em vários cantos do país. A Shell, por exemplo, tem se movimentado ativamente como fornecedora de gás, via Suape, para pequenos projetos em diferentes estados. A New Fortress, a partir do terminal em Santa Catarina, inaugurado em 2024, também se vale da conexão ao sistema para tentar chegar a outros mercados e negocia o suprimento para usinas no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Paraná, por exemplo. A companhia vem sinalizando a investidores o interesse em entrar no leilão com térmicas próprias e atendendo terceiros. O GNL da Celba é, aliás, a esperança mais recente da Termo Norte para viabilizar o despacho a gás natural nas térmicas de Porto Velho (RO). O LRCAP surge, ainda, como uma segunda chance para o GNL do Ceará – que perdeu seu terminal com a decisão da Petrobras de desativar a unidade em 2021; e mais recentemente, viu o projeto da UTE Portocem, no Porto do Pecém, ser transferido para o Pará. Geradores tentam se viabilizar novamente, o que demandará uma nova FSRU – tema de interesse do governo do Ceará e de Pecém. A Ceiba Energy, dona original da Portocem tenta habilitar um novo projeto, a UTE Jandaia. E a Energia Pecém, da Mercurio Partners, tem um projeto para converter sua atual usina a carvão importado para gás natural. E tem quem queira desenvolver novos projetos de GNL do zero. A menos de 100 km do Porto do Açu, a UTE Porto Norte Fluminense, em São Francisco do Itabapoana (RJ), tenta se viabilizar com um novo terminal portuário concebido para receber embarcações de armazenamento e regaseificação de GNL. Levantar uma térmica 100% flexível, associada a um terminal de GNL novo, contudo, tende a encontrar um cenário desafiador pela frente – sobretudo com base na remuneração exclusiva pela potência.
Tarifa de transporte flexível segue pendente
André Clark, vice-presidente da Siemens Energy Brasil, acredita que o LRCAP pode ajudar a “empurrar a regulação do mercado de gás” – sobre, por exemplo, as tarifas de transporte e os serviços de estocagem. Uma das preocupações de quem tenta negociar usinas conectadas à malha de gasodutos é perder competitividade, no leilão, para projetos associados a terminais de GNL e que não pagam tarifas de transporte. Agentes como a Petrobras têm defendido a criação de tarifas flexíveis para termelétricas. O assunto está na agenda também das transportadoras, que temem a fuga das térmicas do sistema e seu impacto na tarifa. Representado pela ATGás, o setor pediu ao longo da discussão das regras do LRCAP que as tarifas de transporte de gás fossem excluídas da composição da Receita Fixa – um dos critérios de seleção do leilão. As transportadoras argumentam que os agentes termelétricos conectados à malha têm dificuldades para calcular sua Receita Fixa, devido à incerteza sobre a tarifa futura de transporte. E propõem que o custo de uso do sistema de transporte seja repassado diretamente ao gerador. A advogada sênior da área de Energia do BMA, Bruna de Barros Correia, cita que havia uma expectativa no mercado de que o governo trouxesse alguma diretriz sobre o assunto – o que não se confirmou. A falta de um direcionamento sobre as tarifas de transporte pode impactar no valor das propostas no leilão – ainda que ela aposte no sucesso do certame. Em paralelo aos preparativos para o leilão, a ANP abriu um debate sobre tarifas diferenciadas, inclusive para as térmicas. Mas é pouco provável que uma nova regulamentação sobre o assunto saia a tempo do LRCAP. O diretor do Departamento de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, Marcello Weydt, disse na última segunda (17/2) que a visão, dentro do governo, é de que “claramente o que está na portaria [do LRCAP] já consegue dar um conforto” para as térmicas existentes”.
A disputa
O LRCAP desponta como uma oportunidade para a recontratação de térmicas a gás existentes a curto prazo, com previsão de contratação de potência já para a partir de setembro deste ano. De acordo com o MME, 5 GW de usinas a gás estão sem contrato. Algumas dessas térmicas conseguiram novos contratos – ainda não ativos. E mais 1,8 GW de potência a gás deve perder contrato até o fim de 2025. O leilão também surge como uma oportunidade para que térmicas existentes possam negociar no leilão projetos de ampliação de capacidade. A sistemática da licitação, abre, nesse sentido, duas frentes: o agente poderá negociar a capacidade adicional em conjunto com a existente, como um único empreendimento, com contratos de dez anos; ou negociar apenas a capacidade adicional, como uma usina nova (greenfield) – cujos contratos serão, por sua vez, de 15 anos Ao todo, o LRCAP ofertará dez produtos, sendo: seis deles voltados para usinas existentes a gás e biocombustíveis, com início de contratos em 2025, 2026, 2027, 2028, 2029 e 2030; três deles para capacidade nova a gás e biocombustíveis, com início de contratos em 2028, 2029 e 2030; e um para projetos de ampliação de capacidade instalada de hidrelétricas existentes. Pelas regras do leilão, projetos greenfield e térmicas existentes com contratos iniciados no mesmo ano serão negociados simultaneamente numa mesma rodada – embora não haja uma competição direta entre os dois produtos. Sócio-fundador da Mercurio Partners, Alexandre Americano, acredita que o leilão de junho será marcado por uma forte concorrência, sobretudo entre térmicas novas – segundo ele, as térmicas existentes e as ampliações de hidrelétricas tendem a abocanhar a maior fatia do bolo. “No meio do caminho aí tem uma quantidade [de térmicas novas] que os mais competitivos vão acabar mordendo”, avalia. Americano conta que a alta da taxa de juros e o aquecimento da demanda por maquinário, no mercado global de energia, tornam o cenário para projetos greenfield mais desafiador. André Clark aposta que o LRCAP será um leilão com grande quantidade de projetos, do lado da oferta. As térmicas a gás, segundo ele, devem ser predominantes. Mas o executivo aposta que há espaço para “ideias inovadoras”, ainda que de menor porte, envolvendo projetos de biocombustíveis. Pela escala, o gás larga em vantagem nessa competição. As complexidades e custos elevados para armazenamento de biodiesel; e o próprio fato de o mercado curto do biocombustível, no setor automotivo, são apontados por agentes do mercado como dificuldades extras para que a fonte assuma posição de destaque no certame.
Fonte: Eixos
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