A revisão da Base Regulatória de Ativos (BRA) das transportadoras de gás natural pode não ser suficiente para garantir a redução das tarifas dos gasodutos em 2026. Pelo contrário, há um risco real de alta nas tarifas. Pelo menos é o que indica uma primeira leitura das propostas apresentadas pela Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e Transportadora Associada de Gás (TAG), no processo de revisão tarifária para o ciclo 2026-2030. A ANP abriu nesta sexta (22), até 8/10, a consulta pública sobre as propostas tarifárias e de valoração da base de ativos das transportadoras. E o que se observa é uma tendência de alta das tarifas em 2026, na maioria dos cenários de referência. Embora a BRA seja um dos itens de maior peso no cálculo da tarifa, outros elementos também influenciam na conta, como as incertezas na demanda das termelétricas e os investimentos na rede (os futuros e aqueles passados, realizados após a privatização das companhias e ainda não recuperados). Longe de ser uma discussão pacificada. O mérito das propostas ainda não foi avaliado pela ANP. Após a realização da consulta pública e avaliação das contribuições, o regulador ainda poderá solicitar ajustes nas dezenas de rubricas e planilhas que, ao fim, revelam o futuro das tarifas. Mas é um ponto de partida importante. A partir de agora, as propostas das transportadoras começam a descortinar as muitas nuances desse processo de revisão tarifária – o primeiro pelo qual passam a TAG e NTS. Serão cerca de quatro meses de trabalho até que os números estejam sabatinados, para dar início, em dezembro, enfim, ao processo de oferta de capacidade sob as novas condições.
Debate promete ser quente
Decisões importantes precisarão ser tomadas sobre a metodologia de valoração da BRA; como tratar as incertezas sobre a demanda termelétrica nos cenários de referência de cálculo tarifário; o perímetro da revisão dos contratos legados; os investimentos que serão reconhecidos nas bases de ativos e suas condições de remuneração; a postalização das tarifas etc. E, em matéria de tarifas, cada rubrica importa. No meio desse caminho, a ANP espera concluir ainda a revisão da Resolução 15/2014 (os critérios para cálculo das tarifas). Uma discussão que se retroalimenta da revisão tarifária. “São dois processos que caminham praticamente de maneira paralela, simultânea, uma se alimenta da outra. O que a gente espera é que os indicadores, os critérios e as diretrizes que já estão em consulta pública, na revisão da Resolução 15/2014, já inspirem o olhar do mérito da ANP [sobre a revisão tarifária] no momento seguinte”, afirmou a diretora Symone Araújo, em seu voto na reunião de diretoria de quinta (21). “E, ao mesmo tempo, essa experiência aqui [com a revisão tarifária] vai fazer com que a gente ajuste o calibre essa revisão regulatória para que a gente esteja cada vez mais seguro”, complementou, na mesma ocasião.
O denominador importa, alertam transportadora)
O debate sobre como lidar com os volumes de mercado será um ponto importante na equação: a revisão da BRA das transportadoras pode não garantir a competitividade das tarifas, se houver uma redução da capacidade contratada pelas térmicas (a “evasão da malha integrada”). A tarifa de transporte é calculada pela divisão da receita das transportadoras (RMP, o numerador) pela demanda (volume do mercado, o denominador). Tudo vai depender, ao fim, de como será considerado o cenário de referência de capacidade (a expectativa de contratação) dos gasodutos: as tarifas podem subir (e muito) em 2026, a depender dos cenários de referência de demanda utilizados, indicam as simulações apresentadas pelas transportadoras. NTS e TAG apresentaram, cada uma, diferentes cenários, a depender, por exemplo, da continuidade ou não das térmicas atualmente conectadas à malha – e que são, hoje, pagadoras importantes do sistema de transporte. A NTS prevê para 2026, com as termelétricas: uma queda de 5% a 6% nas tarifas de entrada, a depender do ponto; uma queda de 1% a 3% nas tarifas de saída, a depender da zona; ou uma queda linear de 4% se adotadas tarifas postais. Num cenário sem as usinas, a transportadora prevê: um aumento de 9% a 14% nas tarifas de entrada, a depender do ponto;
TAG
A TAG, por sua vez, estima um aumento das tarifas em 2026, independente do cenário de demanda das usinas. A companhia projeta uma alta de: 9% no cenário 1 (que toma a dinâmica de 2025 como referência); 28% no cenário 2 (com térmicas); e 61% no cenário 3 (sem as térmicas). A NTS defende, em nota técnica sobre sua proposta tarifária, a necessidade de uma nova premissa para definição desses cenários de referência, diante da incerteza em relação às termelétricas – que afeta não só a contratação dos pontos de saída (pelas usinas) como de entrada (injeção de GNL pelo terminal da Baía de Guanabara, por exemplo). A companhia apresentou, então, dois cenários, para avaliação pela ANP: o primeiro, com as térmicas, considera o consumo nominal de todas as usinas atendidas pela NTS; no segundo, todas as térmicas (com exceção dos volumes de inflexibilidades) são zeradas. Já a TAG defende a importância e urgência da orientação dos formuladores de política pública sobre premissas importantes: como regras para o Leilão de Reserva de Capacidade que assegurem as térmicas conectadas à malha e o incentivo a novos projetos conectados por meio de contratos firmes de capacidade de longo prazo; e o papel da Petrobras na absorção da flexibilidade durante o período de transição de mercado.
Valoração da BRA em debate
A NTS apresentou, como proposta, um valor residual de R$ 5,319 bilhões ao fim de 2024, para sua base, enquanto a TAG propôs R$ 5,67 bilhões. O valor residual é o quanto um ativo ainda vale após a depreciação. A BRA representa o conjunto de ativos diretamente relacionados à atividade de transporte; leva em conta os investimentos, depreciação e baixa de ativos e baixas e é o item de maior peso dentro do cálculo das receitas. As transportadoras adotam, como metodologia, o Custo Histórico Corrigido pela Inflação (CHCI) – a mesma utilizada na revisão tarifária da TBG em 2019. Entendem que, por ser baseada em dados contábeis auditáveis, é menos suscetível a interpretações. Apesar dos precedentes, o debate está em aberto: o Conselho de Usuários (CdU) defende que a definição de base de ativos da TAG e NTS siga a metodologia prevista nos contratos legados, e não o critério contábil. Na revisão da Resolução 15/2014, a ANP propõe na nova minuta (em consulta pública) que a metodologia de valoração da base de ativos deve ser preferencialmente a do CHCI, mas que caso não seja possível a aplicação dessa regra, por motivos devidamente justificados, também poderão ser usadas alternativas, como o Custo de Reposição (CNR). A NTS apresentou uma proposta alternativa de R$ 6,779 bilhões para sua BRA, com base nessa metodologia, enquanto a TAG propôs R$ 6,6 bilhões. Em seu voto, Symone reconheceu – sem antecipar qualquer decisão sobre o mérito das propostas de TAG e NTS – que o contexto da revisão tarifária das duas companhias é diferente.“A gente aprendeu muito nesses últimos cinco anos, de uma forma muito intensa. E aprendemos inclusive com os percalços, com os tarifaços, com todas as situações e os desafios com o qual nos defrontamos. Então, certamente, estamos diferentes de que estávamos da TBG em 2019”, comentou. Além disso, ela cita que os contratos legados e os acordos de redução de flexibilidade (que permitiram liberar capacidade disponível remanescente ao mercado) “adensam a complexidade” da discussão sobre TAG e NTS.
Investimentos bilionários
A BRA não é calculada somente com base na valoração dos ativos existentes. Incorpora também os investimentos previstos (e os passados, ainda não recuperados). A base de ativos também não é o único item da Receita Máxima Permitida (RMP) – que ainda considera, como componentes e premissas, o Custo Médio Ponderado do Capital (WACC, na sigla em inglês); os custos de operação e manutenção (O&M); e despesas gerais e administrativas. A NTS propõe um investimento de R$ 5,8 bilhões entre 2026 e 2030, sendo: R$ 2,5 bilhões (44% do total) relativos a Sustaining Capex – as despesas de capital necessárias para manter a capacidade nos níveis existentes, visando confiabilidade do sistema, integridade, segurança etc. e R$ 3,3 bilhões (56% do total) relativos a projetos de expansão. São dez iniciativas na carteira, com destaque para: o Gasoduto de Integração Norte Fluminense (Gasinf), para ligar o Porto do Açu à malha integrada; a nova Ecomp Japeri (RJ) – a primeira fase do projeto Corredor Pré-Sal, para aumentar a transferência de gás do Rio para São Paulo e o Sul; e a nova Ecomp Macaé (RJ), que visa a independência da interconexão NTS/TAG e aumento da flexibilidade das ofertas oriundas de ambos os sistemas. A TAG, por sua vez propõe um investimento de R$ 1,7 bilhão voltado para Sustaining Capex entre 2026-2030; e R$ 554 milhões relativos a investimentos não remunerados desde a privatização da companhia. O principal projeto de expansão é a nova Ecomp Itajuípe (BA), que visa aumentar a capacidade de transferência Rio-Nordeste, de 9,4 milhões para 12,4 milhões de m³/dia. A obra é estimada em cerca de R$ 960 milhões. Na consulta prévia sobre a revisão da Resolução 15/2014, a ANP abriu um debate se o Sustaining Capex deveria ser, de fato, incorporado à rubrica de investimentos (capex) – e, por consequência, à BRA.
Transportadoras propõem remuneração maior
A revisão tarifária será uma oportunidade também para dar mais clareza sobre o WACC – o custo médio ponderado de capital, usado como taxa de remuneração do capital no cálculo das receitas das transportadoras. As empresas do setor relatam, hoje, dificuldades de aprovar novos investimentos diante das incertezas sobre que patamar será adotado a partir de 2026. A metodologia atual para cálculo do WACC é considerada defasada pelas transportadoras, que apresentaram uma proposta conjunta de 9,41% (real e depois de impostos) para novos investimentos no ciclo 2026-2030, com base em estudos das consultorias Economic Consulting Associates Limited (ECA) e Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV (FGV Ceri). Segundo a NTS, a metodologia atual, de 2019, se fosse aplicada hoje, resultaria num WACC de 5,08% ao ano em termos reais, que representa uma “rentabilidade insustentável” para o setor.
Fonte: Eixos / GasWeek
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