Quase um ano após a aprovação do novo marco na Câmara dos Deputados, o mercado de gás natural no Brasil chega em 2022 com expectativas renovadas e revigoradas. Outros avanços importantes, como a contratação de capacidade feita pela TAG, contratos fechados por distribuidoras e as movimentações de mercado fortalecem as perspectivas. A inserção das renováveis cada vez mais forte na matriz brasileira coloca um viés de crescimento para o energético. Em 2021, as térmicas movidas ao combustível ganharam destaque devido à crise hídrica, em que o despacho alto foi constante e garantiu a estabilidade ao sistema.
Há 20 anos no Brasil, a Equinor classifica a liberalização do mercado como uma conquista importante para o país como um todo. A nova lei é considerada um marco importante na redução de incertezas e na introdução de maior estabilidade jurídica para as oportunidades que a empresa desenvolve no país. Para 2022, ainda existe para a norueguesa a necessidade de ajustes como o aperfeiçoamento dos contratos de transporte e a viabilização do conceito do consumidor parcialmente livre, considerada crucial para atrair novos consumidores ao ACL.
Neste ano, além dos leilões de energia tradicionais, a expectativa fica por conta do início da contratação dos 8 GW de usinas a gás aprovados na MP da Eletrobras. Apesar desse certame diferenciado constar em lei, ainda há dúvidas sobre a sua efetiva realização. A contratação de UTEs em lugares mais afastados pode implicar em custos mais altos, ao mesmo tempo em que os pontos mais próximos da carga podem viabilizar o gás de campos do pré-sal.
De acordo com Rivaldo Moreira Júnior, CEO da consultoria Gas Energy, embora ainda não existam mais detalhes sobre essa contratação, esta deverá movimentar o mercado, caso se concretize. “Talvez seja um dos grandes marcos em relação à geração térmica no Brasil esse ano”, avalia. Moreira lembra que a oferta do energético não seria problema já que pode ser originado da construção de terminais GNL ou o gás da camada pré-sal. Porém, a infraestrutura para o transporte é motivo de atenção, uma vez que parte significativa dos locais beneficiados ainda não a possui. “Especialistas veem com muita dificuldade a realização da infraestrutura para esse leilão com o preço que foi determinado”, salienta.
A Mercurio Partners também vê com cautela a questão da infraestrutura para esses leilões ao mesmo tempo que aguarda com expectativa as diretrizes para a contratação. Para Eduardo Miranda, diretor da empresa, a construção de gasodutos de transporte envolve outros atores externos ao setor elétrico, mas lembra que a lei do gás facilita a introdução de gasodutos de transporte. “O arcabouço regulatório legal e infralegal desenhados hoje nos trazem expectativas positivas”, pondera.
A empresa tem a meta de participar dos certames como player ou assessorando entrantes do setor, obtendo relevância no setor. Em 2021, a Mercurio Partners atuou como advisor no processo de transformar em carbono zero a UTE Prosperidade III, da Imetame Energia. Antes, em 2020, havia fechado com a Saesa para comercializar energia da UTE Uruguaiana. “A equipe está 100% preparada e dedicada a apurar oportunidades vinculadas ao gás natural”, admite.
A localização precisa das térmicas é um dos fatores que traz dúvida para a contratação dessas usinas por impactar na viabilidade do preço. Sylvie D’Apote, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás, lembra que o insumo deve chegar à ponta de forma competitiva com outras fontes e o desenho previsto faz com que seja difícil identificar como o preço apresentado possibilitaria a realização da infraestrutura para chegar aos locais. Ainda segundo ela, a usina mais competitiva geralmente está perto da fonte e/ou do mercado, não fazendo sentido econômico que elas estejam a milhares de quilômetro desses dois pontos.
“A nossa dúvida em relação a essas térmicas é se efetivamente vão conseguir ser concretizadas. Se elas estão no papel, mas não são concretizadas, podem inibir outros projetos que seriam mais interessantes e mais eficientes”, pontua.
Na época, o IBP considerou a contratação compulsória um grave retrocesso em relação às reformas em curso para os setores elétrico e de gás natural. Para o IBP, a contratação obrigatória em estados do Nordeste, sem acesso ao gás natural, e em estados do Norte e Centro-Oeste, sem nenhum critério técnico, trará aumento no custo da energia. O instituto também viu ameaça para a expansão do gás nacional, já que dificilmente as regiões indicadas pela MP seriam abastecidas pelo gás do pré-sal ou de outras bacias, devido à distância e ao custo da infraestrutura necessária para viabilizar o uso por usinas.
A infraestrutura para essa contratação já está no radar da Empresa de Pesquisa Energética. Foram iniciadas reuniões com agentes e associações interessados em contribuir com o Plano Indicativo de Gasodutos 2022. O plano faz parte dos estudos de planejamento para a área de gás e tem como maior objetivo no ano os gasodutos que deverão suprir essas UTEs previstas na lei de privatização da Eletrobras. O PIG será integrado aos outros planos indicativos para possíveis projetos de infraestrutura, que somarão em torno de R$129 bilhões em investimentos.
Segundo Heloísa Borges, diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE, os processos de planejamento do PIG e do leilão de energia são independentes. O plano buscará apresentar alternativas de infraestrutura para atender as regiões que receberão as usinas, mas a efetiva localização das térmicas depende do processo competitivo dos leilões.
Ainda de acordo com a diretora, a principal ideia do PIG 2022 é fornecer alternativas de projetos indicativos de gasodutos que possam ser o ponto de partida para a construção de um modelo de negócio de infraestrutura que atenda os desafios do mercado de gás natural atualmente. A EPE espera publicar o PIG no último bimestre de 2022. Até agosto os agentes podem enviar contribuições pelo e-mail: gasnatural@epe.gov.br
Mas se a contratação de térmicas movidas a gás natural em estados do Norte e Nordeste parece
distante, o montante previsto na lei para o Sudeste, embora menor, tem plena chance de viabilização. A região possui a infraestrutura que permite a construção dos projetos e o Rio de Janeiro desponta como forte candidato a sediar plantas vitoriosas. “Lá já existem muitos projetos térmicos prontos para ir a leilão, já estão muito próximos de onde chega a maior parte do gás do Brasil e de onde vai chegar o gás futuro”, frisa Moreira, da Gas Energy.
Pelo lado dos transportadores, o presidente da Associação de Empresas de Transporte de Gás
Natural por Gasoduto, Rogério Manso, aguarda as movimentações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do governo para chamadas de construção de gasodutos. Para ele, há uma janela de oportunidade de crescimento nos dois setores em um momento que a fonte térmica está em evidência pelo equilíbrio que trouxe ao sistema devido à crise hídrica. “Nós temos trabalhado nisso, estudado oportunidades e conversado sobre propostas para que a rede de transporte possa fazer um papel de dar estabilidade e redução de custo”, avisa.
O presidente da associação se mostra otimista com o momento do gás no país, com a abertura de mercado e a entrada de novos agentes. Um sistema inclusivo de entradas e saídas dará ao
consumidor a capacidade de optar por mais de uma oferta, além da local ou da distribuidora. “Temos que construir esse papel do transporte, porque sabemos que o mercado vai existir na medida em que possa haver escolhas ao invés de se restringir a uma ou às vezes duas opções”, comenta. A arquitetura do sistema de transporte é considerada fundamental para evitar a fragmentação do transporte.
Na distribuição, a diversificação da oferta já deu os primeiros passos. Marcelo Mendonça, diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira de Distribuidoras de Gás Natural, dá como exemplo os resultados positivos da abertura contratos assinados na Bahia, Pernambuco. Alagoas e Rio Grande do Norte. Ele considera a oferta de outros produtores ainda pequena no país com a reinjeção mais alta que a produção. Em 2022, o executivo quer mais competição no gás natural para que investimentos sejam atraídos e a cadeia se beneficie.
Mendonça lembra ainda do papel que o energético exercerá na transição energética, da aproximação com o biogás em 2022 e do bom panorama para o gás veicular. Este último, inclusive, pode ser adotado de forma massiva no transporte pesado. A visão para 2022 é a necessidade de destravar a agenda de investimentos e tornar a molécula ainda mais competitiva.
Evolução à vista
A abertura tardia do setor de gás brasileiro possibilita que as melhores práticas de mercados mais maduros sejam observadas. Em muitos países esse processo foi demorado, mas no Brasil a vontade é que haja uma velocidade maior para consolidar o gás como combustível da transição. “Não temos 20 anos de horizonte para monetizar as reservas de gás no Brasil, a transição energética está às portas”, ressalta Sylvie D’Apote, do IBP. Ela revela que a ansiedade por mais rapidez é natural, mas que os avanços dos últimos meses empolgam.
Eventos externos, como a decisão da Petrobras de concentrar o negócio principal no pré-sal, de certa forma ajudaram a dar celeridade. O movimento que não estava previsto na lei do gás ou no TCC acabou trazendo entrantes nos campos maduros, que viabilizaram os primeiros contratos com as distribuidoras.
A Equinor avalia com bons olhos a evolução do mercado desde a promulgação da nova lei. De acordo com a empresa, a base legal para um setor aberto fez com que o gás de terceiros chegasse ao mercado em 2022, com novos carregadores contratando capacidade junto as transportadoras. Segundo a ANP, cerca de 10% a 15% da demanda do insumo tem origem em outros produtores que não a Petrobras. A petroleira norueguesa vendeu parcela firme do gás do campo de Roncador na chamada pública da Bahiagás, em 2021.
O contrato vai de janeiro a dezembro desse ano, no modo firme. Para executá-lo, foi adotada uma solução transitória para acessar o escoamento e processamento do gás na Bacia de Campos, além de viabilizar uma solução para os líquidos de GN e contratar capacidade de entrada e saída junto à TAG.
Combinar com os russos
Mas desde a última quinta-feira, 24, o cenário promissor para o gás natural em 2022 ganhou um novo componente de apreensão. Quando o mundo ensaiava uma volta à normalidade econômica pós pandemia de Covid-19, a Rússia invadiu a vizinha Ucrânia. O país comandado por Vladimir Putin é um dos players globais mais importantes no setor e a estatal Gazprom possui parcelas significativa das reservas de gás natural no mundo.
Para Eduardo Miranda, da Mercurio, embora o país tenha campos produtores de gás e o pré-sal
comece a ter relevância, há um impacto direto pelo spot do GNL. Segundo ele, alguns projetos novos de geração termelétrica são baseados em importação de GNL, o que pode trazer efeitos. “Alguma coisa muito séria que leve a commodity a preços historicamente altos é um balde de água fria no Brasil. Estamos ainda diretamente vinculados a uma condição globalizada”, comenta.
Já para Rivaldo Moreira, da Gas Energy, a ruptura total da União Europeia com a Rússia deve levar ao aumento da demanda do velho continente por GNL. Ele prevê um aumento do estresse no mercado que já observava alta nos pedidos pelo gás liquefeito. Como consequência de curto prazo, a situação deve levar ao aumento dos preços. A atração de cargas para o Brasil pode ficar mais difícil, mas não a ponto de inviabilizar projetos térmicos movidos a GNL.
O presidente da ATGás vê esse momento de tensão internacional como um sinal de reflexão ao
mercado sobre a importância da expansão da conexão com o gás do pré-sal. Para ele, o país tem uma condição privilegiada com as reservas, o mercado e a capacidade de fazer os investimentos necessários. O aumento da oferta interna aliado à conexão poderia reduzir a relevância do GNL no país, e por consequência, mitigar os impactos de preços por conta do ambiente externo. “[O momento] aumenta a importância qualitativa desse gás que está aqui tão próximo, então menos exposto a incertezas geopolíticas e de outras naturezas”, pontua.
Após a aprovação do novo marco, o próximo passo seriam adequações de legislações estaduais ao novo ambiente de negócio. Essa fase seria um ponto de atenção, uma vez que durante a tramitação no parlamento havia o rumor que interesses estaduais acabavam atrapalhando a sua aprovação.
No começo desse ano, várias associações e organizações divulgaram um manifesto alertando sobre a desarmonia entre a lei do gás aprovada no ano passado e leis estaduais criadas em seguida. O comunicado foi assinado por Anace, Abrace, Abraceel, ATGás, Abividro e IBP. Segundo o documento, as leis confrontam disposições federais sobre gasodutos, inserem requisitos limitantes ou processos demorados para migração ao mercado livre, criam taxas e encargos e se sobrepõe à regulamentação da atividade de comercialização, já tratada pela ANP.
No fim de janeiro, a agência reguladora foi à Justiça questionar decreto do estado de São Paulo que estabeleceu critérios de classificação de gasodutos de distribuição em seu território. Segundo a ANP, o decreto está em desacordo com a nova Lei do Gás. A autarquia havia classificado o gasoduto Subida da Serra como de transporte e não de distribuição.
A falta de uniformidade nas regras entre os estados e dúvidas quanto as atribuições legais podem
tornar as negociações mais difíceis. Moreira, da Gas Energy, dá como exemplo os gasodutos, em que dependendo da localização do projeto, um investidor de energia poderá ter dúvidas se os custos com a conexão deverão ser considerados com a transportadora ou com a distribuidora de gás. “Pior do que uma regra ruim é uma regra imprevisível, porque eu entro no negócio sem saber exatamente como ele vai se dar”, aponta.
Para a Abegás, está claro na constituição federal que os estados são responsáveis pelos serviços de distribuição. A lei limitaria a atribuição federal aos gasodutos de transporte. Para Mendonça, a discussão é improdutiva e as regulações locais servem para trazer desenvolvimento aos estados.
“Dizer que uma lei ou regulação estadual afeta o investimento é um profundo desconhecimento até da realidade do que está acontecendo”, relata.
O diretor dá como exemplo acordos que foram assinados no Ceará posteriores à assinatura da lei. Ele lembra ainda que a nova legislação veio para diversificar o portfólio da oferta para que distribuidores e consumidores livres tivessem competição no fornecimento da molécula e não interferir na distribuição.
A sinalização de discordâncias já era esperada pelos agentes. Alguns estados não possuíam
legislações sore o tema e o tempo exíguo de tramitação pode ter gerado imperfeições. Sylvie D’Apote, do IBP, acredita que o tempo acabará por corrigir essas imperfeições, uma vez que os estados com melhores resultados acabarão sendo objeto de análise dos demais. “Tanto que os estados têm sido aberto às discussões conosco como também a própria dinâmica vai mostrar que tem algumas barreiras e gargalos que precisam ser eliminados”, explica.
A diretora do IBP lamenta a judicialização em São Paulo, mas não viu outro caminho possível para ANP tomar. Para ela, a ida ao judiciário deveria ser o último expediente, sendo priorizada a busca do consenso. Manso, da ATgás, ressalta a importância da segurança jurídica, já que os agentes da infraestrutura do do gás têm investimentos de longo prazo e significativos.
Fonte: Canal Energia
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