Publicado o decreto 12.153/2024, da Lei do Gás, as atenções se voltam agora para a agenda de execução dos novos dispositivos. A regulamentação trouxe muitas possibilidades de atuação do Estado — que assume um papel mais ativo não só no planejamento, mas também na proposição de projetos à iniciativa privada e na regulação. O governo promete uma lupa nas tarifas das infraestruturas e nos planos de desenvolvimento dos produtores, de olho nesse caso em oportunidades de aumentar a oferta ao mercado – e, assim, baratear o gás para a indústria. Mas ainda pairam muitas perguntas sobre como, na prática, e também quando todas as ações do governo serão implementadas. Ainda há muita coisa a ser estruturada, como a criação do Comitê de Monitoramento – peça importante dentro da engenharia pensada para fazer o novo direcionamento avançar.
Uma das principais novidades do decreto é a figura do Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural (CMSGN), que será responsável pelo assessoramento, articulação, monitoramento de políticas públicas, formulação de propostas e deliberações. O próximo passo será a publicação de ato do Ministério de Minas e Energia formalizando a criação do Comitê e definindo sua composição, competências, governança etc. O CMSGN é uma base importante para o enforcement na regulação da ANP, já que terá como uma de suas várias atribuições o acompanhamento da agenda regulatória da agência. A ideia, inclusive, é que o órgão possa fazer recomendações de priorização da ordem de execução dos temas a serem regulamentados pela ANP e possa definir procedimentos transitórios na implementação das medidas de curto prazo a serem adotadas pela diretoria do regulador.
TO decreto trouxe um comando objetivo: em 180 dias (até o fim do 1º bimestre de 2025), os operadores das infraestruturas existentes (de escoamento, processamento e transporte) deverão apresentar à aprovação da ANP uma proposta de Base Regulatória de Ativos (BRA). A valoração da BRA serve como componente no cálculo das tarifas e deverá ser calculada com “metodologia amplamente reconhecida, que considere a depreciação do ativo, amortização do investimento e remuneração de capital”. O decreto também diz que a ANP poderá adotar um valor transitório para base regulatória de ativos – o que abre a possibilidade de uma redução dos custos de infraestrutura a curto prazo. No transporte, a medida pode ajudar a antecipar o debate sobre as revisões tarifárias da NTS e da TAG, previstas para o ano que vem. O assunto pode ganhar novos contornos a partir da efetivação do CMSGN. Os relatórios produzidos pelo Grupo de Trabalho do Gás para Empregar elencam uma série de propostas de ações para o Comitê de Monitoramento — dentre elas calcular os novos valores das tarifas para capacidades disponíveis. E que os contratos legados sejam devidamente analisados e, eventualmente, renegociados – por exemplo se houver um tarifaço decorrente da descontratação de térmicas conectadas ao sistema. No escoamento e processamento, os relatórios sugerem que a ANP analise a valoração da BRA apresentada pelos agentes e convoque os proprietários das infraestruturas e terceiros interessados no acesso para que negociem a adequação dos atuais contratos. Agentes que dependem da infraestrutura da Petrobras questionam os custos e as condições de acesso, sobretudo as penalidades e a falta de transparência nos critérios – em especial no processamento. Ao fim, os terminais de GNL ficaram de fora dos dispositivos que avançam na regulação da remuneração das infraestruturas.
Entre os pontos mais controversos do decreto estão os dispositivos que reforçam o papel da ANP no controle da reinjeção. O texto, que conta com a oposição dos operadores offshore, diz que a agência pode determinar a redução dos volumes reinjetados nos campos offshore ao mínimo necessário; e determinar o aumento da produção de campos em operação, a partir da revisão dos planos de desenvolvimento das concessões. Uma vez colocado no papel, ainda resta saber como o assunto será devidamente tratado. Um termômetro: os relatórios técnicos do Gás para Empregar propõem que, uma vez revisados os valores de acesso às infraestruturas de escoamento e de processamento, o CMSGN convoque os produtores para avaliar e discutir a revisão dos respectivos PDs e os índices de reinjeção além do tecnicamente necessário – prioritariamente em Búzios e Mero. O secretário de Petróleo e Gás do MME, Pietro Mendes, já afirmou que a redução da reinjeção não se dará ao custo de uma “destruição de valor” dos projetos e da própria arrecadação da União. E que em FPSOs que não têm capacidade de exportar gás “não faz sentido ter uma rediscussão”. Mas o governo mira os “hubs de gás” (plataformas com capacidade para tratar gás de outras unidades que não contem com esse tipo de instalação). Olhando para novos projetos, essa discussão pode ter efeito sobre os planos da Petrobras para Búzios. A companhia avalia fazer da 12ª plataforma do megacampo um “hub de gás” – ou seja, com capacidade para tratar a produção de outras unidades que foram concebidas com foco na reinjeção do gás para recuperação de petróleo. A estatal concluiu uma primeira fase de estudos sobre a 12º FPSO de Búzios e espera avançar, agora, para o estudo de viabilidade técnica e econômica. Ao comentar sobre o decreto, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou que, embora não seja possível mudar projetos de plataformas já entregues ou contratadas, a reinjeção de gás natural nos campos operados pela companhia passará por uma “correção de rumo” sob a sua gestão.
Outra novidade trazida pelo decreto é a criação do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, a cargo da EPE. Traz um papel mais ativo para o Estado não só no planejamento da expansão dessas infraestruturas, mas também na proposição de projetos aos agentes.A agência eixos apurou que a EPE trabalha para concluir o atual Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte (PIG) até o fim do ano e para entregar a 1ª versão do Plano Integrado no primeiro semestre de 2025. A intenção é que a EPE faça a integração de todos os seus planos e a coordenação das necessidades dos diversos agentes (inclusive via chamada pública) e, a partir daí, indique as melhores alternativas de expansão das infraestruturas, analisadas de forma sistemática. A ANP ofertará, então, a outorga da autorização para as instalações previstas no plano para os investidores interessados, por meio de processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos.
Não está no decreto em si, mas veio na esteira do pacote de anúncios do CNPE — que autorizou a PPSA a comercializar diretamente no mercado o gás que cabe à União nos contratos de partilha.A resolução permite que a estatal contrate os sistemas de escoamento e processamento de gás. A PPSA busca, assim, mais opções para o gás da União – que é vendido, hoje, para a Petrobras na saída das FPSOs. A PPSA informou que pretende assinar em breve, com a Petrobras, um contrato de adesão ao Sistema Integrado de Escoamento (SIE) – Rotas 1, 2 e 3. A intenção é realizar na sequência o 1º leilão de gás da União, para comercialização dos volumes de 2025. A estimativa da PPSA é que o gás da União fique entre 200 mil a 300 mil m3/dia entre 2025 e 2026 e salte a partir de 2027 para 1,8 milhão de m3/dia. Num primeiro momento, ao vender o gás no SIE, os candidatos naturais à compra do gás da União são as empresas que já têm experiência em contratar o processamento – em geral os produtores. Mas o gás da União é cobiçado pela indústria. A Coalizão pela Competitividade Gás Natural – grupos empresariais liderados pela Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) – se mobiliza para tentar emplacar uma política de gás a preços competitivos, em especial para fertilizantes e química. O gás da União seria parte dessa equação. Os relatórios técnicos do Gás para Empregar pontuam que, enquanto não houver um choque de oferta no mercado, a tendência é que o modelo de comercialização por leilão do gás natural da União resulte em preços em linha com os preços praticados pelos demais produtores no curto/médio prazo. Os documentos citam, contudo, que, alternativamente à realização de processos competitivos para o mercado em geral, a revisão da Política de Comercialização da PPSA poderia definir a elaboração de processos competitivos para segmentos específicos do mercado, desde que observada a premissa de não impactar negativamente a receita do Fundo Social. O relatório sugere que, dependendo dos volumes definidos como meta e a disponibilidade de produto no mercado, o CNPE poderia definir cotas por segmentos específicos bem como fórmulas de precificação.
Fonte:Eixos