A ANP prevê abrir em agosto a consulta pública da revisão tarifária da Transportadora Associada de Gás (TAG) e da Nova Transportadora do Sudeste (NTS). Serão apresentadas, então, a Base Regulatória de Ativos (BRA) e as tarifas propostas pelas companhias para o ciclo 2026-2030. Até lá, a ANP corre contra o tempo para avançar também com a revisão da Resolução 15/2014, que trata dos critérios de cálculo das tarifas e que toca em questões umbilicalmente ligadas às revisões tarifárias, como a definição da Receita Máxima Permitida (RMP) das transportadoras. A expectativa é que a minuta de resolução seja apresentada ainda este mês. As atenções se voltam, em especial, para a metodologia de valoração da base de ativos, ponto nevrálgico para definição das receitas das transportadoras e, por consequência, das tarifas. TAG e NTS defendem que a ANP mantenha a metodologia historicamente utilizada para valoração da BRA das demais transportadoras. Pregam estabilidade regulatória e regras menos suscetíveis a interpretações.
Os usuários do sistema, por sua vez, defendem que o contexto dos contratos legados da TAG e NTS é outro e que, portanto, a metodologia precisa ser outra, sob o risco de as transportadoras recuperarem (ao menos em parte) aquilo que os contratos já lhes remuneraram. A diferença entre metodologias pode impactar em bilhões de reais o cálculo das bases de ativos – e, ao cabo, o das tarifas.
A escolha de bilhões
A metodologia a ser aplicada na valoração da base de ativos pode impactar em cerca de R$ 7 bilhões a conta, que, ao fim, influenciará as tarifas nos próximos anos, de acordo com estimativas preliminares do Conselho de Usuários (CdU). O CdU estima que as amortizações dos gasodutos dos contratos Malhas Sudeste (NTS) e Malha Nordeste (TAG) – os primeiros a vencer, no fim deste ano – já superaram o patamar de 97%, com base na análise das planilhas dos contratos legados abertas pela ANP. O Conselho de Usuários calcula que o valor residual (o quanto um ativo ainda vale após a depreciação) da base de ativos é de R$ 509 milhões nesses dois contratos. Mas que, se adotada a metodologia da revisão tarifária da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), em 2019, a conta é da ordem R$ 7,5 bilhões. A metodologia em questão é a do Custo Histórico Corrigido pela Inflação (CHCI). Em resumo, ela incorpora a correção monetária pela inflação (o IGPM nesse caso), descontando-se o valor depreciado do ativo. Durante reunião de trabalho convocada pelo Ministério de Minas e Energia, no último dia 30/6, para discutir as tarifas de transporte e o futuro da regulação do setor, diferentes agentes do mercado compartilharam suas visões sobre a revisão tarifária
Transportadoras pedem estabilidade
TAG e NTS, que vão passar este ano pela primeira vez por um processo de revisão tarifária, defendem que a ANP mantenha a metodologia historicamente utilizada para valoração da BRA das demais transportadoras. O Custo Histórico Corrigido pela Inflação foi a opção escolhida pelo regulador para a TBG, em 2019, e também serviu como base para a valoração dos ativos da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) em 2023. As transportadoras entendem que a revisão tarifária deve respeitar uma metodologia comum de cálculo das receitas e tarifas de transporte. Na visão delas, o CHCI é a metodologia de referência nos demais setores regulados (setor elétrico e saneamento, por exemplo) e, por ser baseada em dados contábeis auditáveis, é menos suscetível a interpretações. As transportadoras também alegam que as bases de ativos de TAG e NTS foram herdadas da Petrobras – as tarifas dos contratos legados são objeto de um acordo entre partes (a estatal e transportadoras, então suas subsidiárias) e não seguiram os critérios de cálculo do marco hoje vigente, em revisão. E argumentam também que, após a privatização das companhias, a ANP validou a relação dos bens e instalações (incluindo a vida útil, valor contábil, depreciação acumulada e data de imobilização de cada ativo). Apesar dos precedentes, o debate está em aberto: na consulta prévia sobre a revisão da Resolução 15/2014 (critérios para cálculo das tarifas de transporte), a ANP colocou em discussão, dentre outros temas, justamente que metodologia deveria ser utilizada para valoração da base de ativos.
Depreciação econômica versus contábil
Existe um apelo dos usuários para que a revisão tarifária da TAG e NTS siga outra metodologia. O argumento central é de que a depreciação contábil, como propõem as transportadoras, tende a considerar uma curva de amortização mais longa (a vida útil dos ativos) do que a prevista nos contratos legados. E que, portanto, o critério permitiria às transportadoras recuperar novamente aquilo que os contratos efetivamente já remuneraram. O CdU defende que a definição de base de ativos da TAG e NTS siga a metodologia prevista nos contratos legados – aqueles assinados pela Petrobras antes de 2018, quando foi implementado o modelo de contratação de entrada e saída, e que constituem a base da remuneração herdada pelos novos controladores das transportadoras nas privatizações. “É uma questão de coerência. Se não, vamos pagar o mesmo ativo duas vezes. Porque, do ponto de vista de balanço contábil, a depreciação de ativos é de 30 anos. Isso não traduz a realidade de como a tarifa foi definida nos contratos legados”, comenta o diretor de Gás Natural da Abrace e vice-presidente do CdU, Adrianno Lorenzon. “Lá atrás, se a tarifa tivesse sido calculada com base nesses critérios contábeis, olhando depreciação em 30 anos, por exemplo, a tarifa ao longo do tempo teria sido menor, porque teria sido diluída por mais tempo”, completou.
Agentes
Agentes como Petrobras, Eneva e Abegás (distribuidoras) acompanham esse entendimento – presente também em falas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD). Na visão do CdU, com base nas informações contidas nas planilhas dos contratos legados, como o fluxo de caixa dos contratos e a taxa de retorno dos investimentos, é possível calcular o valor residual dos ativos. Como precedente, no caso TBG, a revisão tarifária de 2019 levou em consideração, na valoração da BRA, critérios contábeis e não os aspectos econômicos adotados na definição das tarifas originais. A Petrobras destacou, nesse ponto, as particularidades de cada caso. Os contextos das revisões tarifárias da TBG e da TAG/NTS são diferentes. No caso TBG: a estruturação do projeto do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) se deu antes da constituição da própria ANP; os contratos foram assinados num contexto de incipiência regulatória (as primeiras resoluções a regulamentarem o uso de dutos e a divulgação de tarifas é de 2005); cálculo tarifário desconhecido pela ANP. Já nos casos NTS e TAG: a maioria dos projetos entrou em operação após a 1ª Lei do Gás (2009), que atribuiu à ANP a competência de aprovar tarifas; os contratos assinados já com regulação tarifária; cálculo tarifário conhecido pela ANP.
O perímetro da revisão
As transportadoras defendem um perímetro de discussão: que a revisão da base de ativos seja gradual e se dê à medida que os demais contratos legados forem vencendo, por uma questão de segurança jurídica. No fim deste ano, vencem apenas os dois primeiros contratos legados: o Malha Nordeste (TAG) e o Malha Sudeste I (NTS). Ainda restarão oito deles, sendo que o último (Gasene) vence apenas em 2033. Entidades como Abegás e Abrace, por sua vez, defendem a revisão integral da BRA de todos os contratos legados. Na visão das distribuidoras, essa seria uma oportunidade para “expurgar custos indevidos” das tarifas. O diretor Econômico e Regulatório da Abegás, Marcos Lopomo, defende que a revisão tarifária da TAG e NTS e a adequação dos contratos legados ao modelo de entrada e saída (determinação legal, prevista para ocorrer até o fim de 2026) são oportunidades para rediscussão dos parâmetros de cálculo das tarifas. Ele alega que as tarifas dos contratos legados não foram geradas a partir de um processo formal de revisão tarifária, seguindo os critérios da regulação da ANP ou de boas práticas regulatórias; e que a base de ativos das companhias está inflada indevidamente. Revisar integralmente essa base de ativos seria uma forma, portanto, de dar mais transparência à composição das tarifas e adequá-las.
Para além da base de ativos
A revisão tarifária das transportadoras ocorre em meio a uma discussão mais ampla sobre o futuro das tarifas de transporte e que envolve não só a revisão da Resolução 15/2014 da ANP como também as regras transitórias da agenda de curto prazo do Gás para Empregar. O denominador das tarifas: Como lidar com os volumes de mercado, no cálculo tarifário? Esse item é importante: a revisão da BRA das transportadoras pode não garantir a competitividade das tarifas, se houver uma frustração de demanda – associada, por exemplo, à redução da capacidade contratada pelas térmicas. Nesse contexto entram não só a discussão sobre a modelagem do Leilão de Reserva de Capacidade e o mecanismo de pass-through (o repasse do custo das usinas com a contratação firme dos gasodutos na forma de encargos para o setor elétrico), como defendem as transportadoras. A Petrobras alega que é economicamente inviável o pagamento de tarifa cheia de transporte pelas térmicas 100% flexíveis e que é importante dar um tratamento específico para as usinas, de forma a evitar a “evasão da malha integrada”. Isso envolve, segundo a companhia, por exemplo, a separação de produtos no leilão e um produto de transporte específico, com parcela fixa reduzida para garantia de reserva. Esse último ponto, o de tarifas diferenciadas (para térmicas, estocagem e o short-haul), a ANP pretende tratar em 2026. A Eneva também tem se posicionado nesse debate. É contra o modelo de pass-through. E defende que os riscos de mercado (essencialmente, a fuga de demanda) não devem ser compartilhados com os usuários do sistema. Argumenta, nesse sentido, que o risco de volume foi assumido pela Petrobras e transferido contratualmente para os novos proprietários das transportadoras (o marco legal trata de receita máxima permitida ao transportador, e não de receita mínima assegurada). Os investimentos dos contratos legados, acrescenta a companhia, foram feitos num ambiente de monopólio sem governança adequada (com participação dos usuários). Uma possível saída, segundo a Eneva, é que, para fins de cálculo das tarifas, seja assumido como denominador a capacidade original do mercado (cerca de 90 milhões m³/dia).
Tarifas postais
Um outro assunto que tem sido tratado como forma de mitigar riscos de pico tarifário é o da postalização das tarifas – resgatado pelo decreto 12.153/2024. A integração tarifária está na agenda do MME. A bandeira tem sido levantada também pela Petrobras. A estatal defende que a postalização reduzirá as discrepâncias de custo de transporte na malha integrada entre os sistemas das transportadoras TAG, NTS e TBG – o que dará mais liquidez ao mercado e mitiga incrementos tarifários decorrentes de reduções de oferta pontuais.
Fonte: Eixos
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